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3 – Antecedentes da revolução Sofística.

Sofística

(uma biografia do conhecimento)

 

3 – Antecedentes da revolução Sofística.

 

Nos diz Guthrier:

 

Determinar as causas de uma revolução intelectual sempre é empreendimento temerário, e quando muitas e grandes coisas acontecem juntas não é sempre fácil distinguir causa de efeito; mas umas poucas coisas se podem mencionar como provavelmente pertencentes à primeira categoria. Somos obrigados a destacar, por motivos cronológicos, a suposição de que os “pré-socraticos”, e em particular os jônios, possam todos ter exercido influência na configuração do pensamento dos sofistas. Se existe alguma conexão causal entre as idéias de Demócrito e as de Protágoras ou Górgias, é mais provável que tenha sido em sentido contrário. De outro lado, a influência dos eleatas sobre Protágoras e Górgias é inegável, como também a de Heráclito sobre Protágoras, e de Górgias se diz que foi discípulo e seguidor de Empédocles.

A vida, inclusive a vida humana, seria produto de uma espécie de fermentação causada pela ação do calor sobre a humanidade ou na matéria em decomposição, e grupos sociais e políticos seriam formados por acordos como a única forma eficaz para o homem se defender da natureza não humana. As próprias cosmogonias ajudaram a banir agentes divinos do mundo, não porque eram mais evolutivas do que criativas...

...a idéia de (p. 19) criação divina nunca foi proeminente na religião grega – mas porque tornavam mais difícil o hábito grego de ver seres divinos ou semidivinos em toda parte da natureza. Foi um golpe para a religião quando até das estrelas e do sol se afirmou serem nuvens ígneas, ou rochas arrancadas da terra e postas em órbita pelo redemoinho cósmico. Os olímpicos, ainda que não tivessem criado o mundo, tinham-no pelo menos controlado, mas as teorias dos filósofos naturais não deixavam nenhum lugar ou papel para Zeus na produção da chuva, do trovão e do relâmpago, nem para Posêidon no terror dos terremotos. (p. 20)

Além de sua distância, os pré-socráticos eram desacreditados por suas mútuas contradições. [Osório diz: Protágoras viu isso!]

Muitas vezes se aduz como uma das causas do novo humanismo a ampliação de horizontes mediante aumento de contatos com outros povos, na guerra, nas viagens e na fundação de colônias. Estes deixaram cada vez [p. 20] mais claro que costumes e modos de comportamento que antes tinham sido aceitos como absolutos e universais, e de instituirão divina, eram de fato locais e relativos. [Osório diz: Divergência entre valores]

...Hábitos que para gregos eram maus e desagradáveis, como casamento entre irmão e irmã, podem entre os egípcios ou alhures ser considerados normais e até impostos pela religião. A história de Heródoto é típica dos meados do séc. V pelo entusiasmo com que coleta e descreve os costumes dos citas, persas, lídios, egípcios e outros, indicando suas divergencias do uso grego. Se se pedisse a todos os homens, diz ele, que mencionassem as melhores leis e costumes, cada um escolheria os seus próprios; e o ilustra pela história de Dario, que mandou vir a sua corte alguns gregos e hindus e perguntou primeiro aos gregos por que consideração eles consentiriam comer os seus pais falecidos. Quando estes responderam que não fariam isso por nada, ele se voltou para os hindus (de uma tribo que normalmente comiam os corpos de seus pais) e lhes perguntou se algo os poderia persuadir a queimar seus pais (como os gregos faziam), ao que eles protestaram pela mera menção de tal impiedade.

Também Eurípides notou que se pratica o incesto entre povos não-gregos, “e nenhuma lei o proíbe”... [Osório diz: Relatividade dos valores]

[Sócrates não concordava que uma lei não era menos universal e divina porque alguns a transgrediram; ...(p. 21) [Osório diz: um único exemplo e, ainda por cima, o pior!].

Estadas entre egípcios e caldeus são relatadas de primitivos filósofos e sábios como Sólon, e são inteiramente confiáveis tais relatos. ...

É “lei da natureza” que o mais forte faça o que está em seu poder e mais fraco ceda … (p. 22)

Assim também Teseu no Hipólito (Hip. 915ss) se pergunta para que serve os homens ensinarem dez mil artes e descobrir tanto instrumento engenhoso, se sua ciência não lhes diz como pôr senso na cabeça de um homem que não o tem. [Osório diz: o homem criando!]

Sólon (que foi o primeiro a introduzir o principio de nomear funcionários públicos por uma combinação de eleição e sorte) [Osório diz: Política]

...o arcontado ...Sócrates, ...sentimentos antidemocráticos ...(p. 23)

O trato de Mitilene pela democracia ateniense ilustra seus perigos, e talvez também suas virtudes.

Depois de dominar uma revolta em 428, a Assembléia sob influência de Clêon enviou uma trireme com ordens de matar todo homem na cidade e escravizar as mulheres e as crianças. No dia seguinte, arrependeram-se de sua crueldade atroz, e, depois de segundo debate, reverteram a decisão por magra maioria e despacharam uma segunda trireme a grande velocidade para cancelar a ordem. Comendo junto aos remos e dormindo revezando-se, conseguiram chegar antes que a ordem fosse levada a efeito. Neste caso, a fraqueza demagógicaratória contrabalançou por sua prontidão em reconsiderar e dar a ambos os lados adequada audição [O tamanho dos Estados modernos impede uma democracia completa, enquanto oposta a uma representativa, mesmo que fosse desejada, e provavelmente os únicos lugares onde se pode observar hoje são as Universidades de Oxford e Cambridge, onde semelhantes exemplos de vacilação não são desconhecidos.]. A pequena ilha de Melos foi menos afortunada, e seus habitantes sofreram a sorte originalmente planejada para Mitilene. Seu crime foi preferir a neutralidade à inserção no império ateniense. [Osório diz: Isso aconteceu no início da Democracia, o que mostra que esta é importante, pois permite rever seus atos tidos como errados] [Osório diz: o autor muda de assunto, embora a ele retorne na nota de rodapé]

Protágoras, que se gloriava do título de sofista e anunciava orgulhosamente sua habilidade de ensinar ao jovem “o cuidado adequado de seus negócios pessoais, para poder administrar melhor sua própria casa e família, e também dos negócios do Estado, para se tornar poder real na cidade, quer como orador, quer como homem de ação”. ...

E argumentou-se (da parte de Heinrich Gomperz) que todo o ensino dos sofistas se resume na arte da retórica. É considerável exagero; a arete que Protágoras pretendia comunicar consistia em mais do que isso. Mas alguém dentre eles, Górgias, mofou dos professores profissionais de [p. 24] virtude cívica. [Osório diz: existiam?]

Falei como se as circunstâncias políticas e as ações públicas dos Estados gregos originassem as teorias morais arreligiosas e utilitárias dos pensadores e mestres, mas é mais provável que prática e teoria agissem e reagissem mutuamente entre si. Sem dúvida, os atenienses não precisavam de um Trasímaco ou de um Cálicles para ensinar-lhes como lidar com uma ilha recalcitrante, mas os discursos que Tucídides põe nos lábios dos porta-vozes atenienses, no que ele tipifica um debate com a assembléia meliana, trazem marcas inconfundíveis de ensino sofista. Péricles era amigo de Protágoras, e quando Górgias apareceu diante dos atenienses em 427, os novos floreios da oratória com que ele pleiteou a causa de sua terra natal, a Sicília, suscitaram admiração e surpresa (p. 169, n. 11, abaixo). Se os sofistas foram produto de seu tempo, por sua vez também ajudaram a cristalizar suas idéias. Mas seu ensino pelo menos caiu em terreno bem preparado. Ao ver Platão, não eram eles que deviam ser declarados culpados por infeccionar os jovens com pensamentos perniciosos, pois nada mais faziam do que refletir os prazeres e as paixões da democracia existente:

Cada um destes mestres profissionais, que o povo chama de sofistas e considera seus rivais na arte da educação, não ensina, com efeito, nada mais do que as crenças do povo expressas por ele mesmo em suas assembléias. É isso que afirma como sua sabedoria.

Voltando-nos de causas para facetas de mudança (à medida que se podem distinguir os dois aspectos), destas últimas a mais fundamental é a antítese entre physis e nomos que se desenvolveu nesta época entre filósofos naturais e humanistas igualmente. (p. 25) [Osório diz: Natureza e Leis]

...o individualismo desmedido dos que, como Cálicles de Platão, defendiam que idéias de lei e justiça eram mero expediente da maioria de fracos para afastar o homem forte, que é o homem justo da natureza, do lugar que por direito lhe cabe.

Na idéia de que leis são assuntos de acordo humano, "alianças feitas pelos cidadãos", como Hípias as chamou (p. 130 abaixo)

Temos a essência da teoria do pacto social que se desenvolveu sobretudo na Europa dos sécs. XVII e XVIII.

Uma afirmação inequívoca da teoria contratual da lei é atribuída por Aristóteles a Licófron, discípulo de Górgias, e, em sua forma histórica, como teoria da origem da lei, é afirmada claramente por Gláucon na República como modo de ver corrente que ele gostaria de refutar.

Além de leis no sentido comum, a opinião contemporânea reconheceu-a existência de "leis não-escritas", e a relação entre ambas ilustra bem a natureza transitória deste período de pensamento. Para uns, a frase denotava certos princípios morais eternos, válidos universalmente e prevalecendo sobre as leis positivas dos homens porque tinham sua origem nos deuses. Esta noção é mais bem conhecida pelas esplêndidas linhas de Sófocles na Antígona (450ss), onde Antígona defende o funeral de seu irmão morto contrário ao edito de Crêon declarando: "Não foi Zeus nem foi a Justiça que decretaram estes nomoi entre os homens, nem julgo tua proclamação tão poderosa que tu, um mortal, possas subverter as leis seguras e não-escritas dos deuses". Mais tarde veremos outras referências a estas leis divinas que existiram em todo tempo, e sua superioridade sobre os decretos falhos e mutáveis dos homens. Contudo, com a difusão de idéias democráticas, a frase ganhou sentido novo e mais sinistro. A codificação da lei veio a ser considerada proteção necessária para o povo. Não só Eurípedes (Suppl. 429ss) considerou-a garantia para direitos iguais e baluarte contra a tirania, mas também na prática a democracia restaurada no fim da guerra do Peloponeso proibiu expressamente ao magistrado fazer uso de leis não-escritas (p. 119 abaixo). (p. 26) [Osório diz: lei não escrita era a burguesia!] [Osório diz: cada coisa no seu contexto!]

O crescimento do ateísmo e do agnosticismo nesta época também esteve conexo com a idéia de nomos. [Osório diz: Religião]

Para Crítias, os deuses foram invenção de um engenhoso legislador para prevenir que os homens transgredissem as leis quando não observados. ...deificação de objetos naturais úteis como o sol e os rios, trigo e uva, …

Um aspecto atraente da antítese nomos-physis é que ela patrocinou os primeiros passos rumo ao cosmopolitismo e à idéia da unidade do gênero humano. (p. 27)

Antífon foi mais longe (como Hípias também pode ter feito), e depois de censurar distinções baseadas em nascimento nobre e inferior passou a declarar que não há nenhuma diferença de natureza entre bárbaros e gregos. [Osório diz: Platão!]

A única testemunha no séc. V da existência de uma crença de que a escravidão é não-natural é Eurípides, cujas personagens expressam sentimentos deste tipo: “Somente o nome traz vergonha para um escravo: em tudo o mais ele não é pior que os livres, se ele for homem bom”. [Osório diz: Escravidão]

Protágoras começou com o axioma de que “há dois argumentos sobre cada assunto”.

Aos olhos de Górgias, "a palavra" era déspota que podia fazer qualquer coisa, mas como escravo da lâmpada estaria a serviço dos que faziam seus cursos. Lendo os restos que nos sobraram dos escritos de Górgias, não nos inclinamos a acusar Platão de deslealdade quando o faz desconhecer toda responsabilidade pelo uso que se pode fazer de seu ensino por outros. Era matéria subversiva, tanto moral como epistemologicamente, pois a convicção de que os homens podiam ser persuadidos de qualquer coisa casava-se naturalmente com a relatividade da doutrina de Protágoras segundo a qual "o homem é a medida" e com o niilismo do tratado de Górgias Sobre a natureza e o não-existente. [Osório diz: aqui o autor rói a corda!]

Eles pretendiam ensinar arete, mas seria isso algo que se poderia instilar pelo ensino? [Osório diz: isso é contraditório e idiota! Platão diz que a virtude não pode ser ensinada, mas maldade, seu oposto, pode! Ou ambas podem ser ensinadas ou ambas não podem sê-lo] [Osório diz: arete, no caso, é: aceite que alguém manda e alguém obedece. Manda quem nasceu no seis das famílias que nasceram para mandar. De indivíduo nada para família].

Arete, quando usada (p. 28) sem qualificação, denotava as qualidades de excelência humana que fazia o homem líder natural em sua comunidade, e até então crera-se que ela dependia de certos dons naturais e mesmo divinos que eram a marca do bom nascimento e geração. Eram definitivamente assunto da physis, cultivada, à medida que o rapaz crescia, pela experiência de viver com exemplo de seu pai e pessoas mais velhas buscando segui-lo. Assim eram, transmitidos naturalmente e raramente de maneira consciente, uma prerrogativa da classe que nasceu para governar. [Osório diz: Platão]

...anátema … ([latim eclesiástico anathema, -atis, do grego anáthema, -atos, oferenda, coisa maldita, maldição] adjetivo de dois gêneros. 1. Maldito, excomungado. substantivo masculino 2. Excomunhão com execração. 3. Pessoa anatematizada.)

O que veio acima é uma pregustação dos tópicos, de cálido interesse nos tempos em que Sócrates vivia, que serão examinados em capítulos posteriores: o status das leis e dos princípios morais, a teoria do progresso do homem da selvageria para a civilização substituindo a teoria de degeneração de uma idade áurea passada, a idéia do pacto social, teorias subjetivas do conhecimento, ateísmo e agnosticismo, hedonismo e utilitarismo, a unidade do gênero humano, escravidão e igualdade, a natureza da arete, a importância da retórica e o estudo da linguagem.(p. 29) [Osório diz: o que propunham os sofistas!]

Foi dito dos sofistas que eram herdeiros tanto dos filósofos pré-socráticos como dos poetas. W. Schmidt afirmou para Protágoras uma dívida para com Heráclito, Anaxágoras, os físicos de Mileto e Xenofonte, e lhe dá o crédito de tornar as conclusões paradoxais de Heráclito e Parmênides geralmente correntes em círculos instruídos.

Um ramo da filosofia pré-socrática exerceu profunda influência na sofistica como também em todo outro pensamento grego: o monismo extremado de Parmênides e seus seguidores. Seu desafio à evidencia dos sentidos, e rejeição de todo o mundo sensível como irreal, inspirou reação violenta nas mentes empíricas e praticas dos sofistas, que se lhe opuseram em nome do senso comum. Protágoras, diz-nos, afastou-se do ensino político da arete para escrever uma obra sobre o Ser que se dirigia contra “os que sustentam a unidade do Ser” e Górgias em seu Sobre o não-ser mostrou sua mestria no argumento eleático fazendo-o voltar contra seus [p. 48] inventores. Todavia os sofistas não podiam, não mais do que qualquer outro pretendente a pensamento sério, eliminar o dilema eleático, que forçava uma escolha entre o ser e o tornar-se, a estabilidade e o fluxo, a realidade e a aparência. Uma vez que não mais era possível tê-los a ambos, os sofistas abandonaram a idéia de uma realidade permanente atrás das aparências, em favor de fenomenismo, relativismo e subjetivismo extremos [p. 49]. [Osório diz:!!!]. (Fonte: Os sofistas, W. K. C. Guthrie, tradução, João Rezende Costa, Paulus, São Paulo, 1995, p. citadas entre colchetes).

 

 

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