(Trabalho e foto de "eu mesmo").
Devaneios e saudades:
- Fale, então, das boas recordações.
- Com prazer, senhorita. Disse ele fazendo uma reverência à Ry. Dentre os comerciantes colombianos que por lá passavam, tinha uma senhora chamada D. Délia (ou, acredito, que se chamasse Adélia), a qual, dentre as mercadorias que nos vendia, tinham umas roscas de trigo que eram muito saborosas. Isso faz mais de trinta anos e eu tinha como algo perdido na minha mente, pois disso já não me lembrava mais. Dia desses, em São Paulo, comprei um pão italiano e, depois de comer alguns pedaços, guardei o que sobrou. Poucos dias depois fui comê-lo novamente. Assim que cortei o primeiro pedaço um aroma suave me envolveu e, imediatamente, senti o mesmo cheiro e me veio à lembrança as roscas da D. Délia! Fiquei impressionado com o baú que é a mente.
- Era seu momento freudiano.
- Sem dúvidas. Aquele aroma exalado do e pelo pão se chama saudade.
Certo dia, num consultório médico em São Paulo, quando contei essa história a uma senhora gaúcha, ela me contou, em troca, a seguinte: ela e um irmão saíram muito jovens do Rio Grande Sul quando a família mudou-se para São Paulo.
O irmão vivia dizendo que sentia saudades de uns doces que tinham na cidadezinha onde moravam. Cresceu com essa saudade, pois sempre falava dela. Dizia que, quando se aposentasse, iria voltar à cidade apenas para comer ditas guloseimas. O tempo passou, a aposentadoria chegou. Certo dia ele arrumou a mala e disse que ia à cidade que foi seu berço. Foi.
Na volta contou para a família que nunca comera guloseima tão ruim nos últimos cinquenta anos!
Ou seja, o que ele tinha mesmo era saudade de algo que achou bom na infância, algo que o tempo encarregou-se de superar definitivamente.
O que me levou a questionar: será que as roscas da D. Délia, hoje, teriam o mesmo cheiro e sabor?
- Não sei!
- Nem eu!
- E por quanto tempo você morou no Bom Futuro?
Abraços,
Osório
POEMEMOS:
SONETO XXV [ANTES DO FIM O CANTO DERRADEIRO]
Antes do fim o canto derradeiro
Evocando as pegadas de outra sorte,
Há de se erguer sobre o perdido porte
E falar do sentido verdadeiro.
Há de lembrar a luta, o chão guerreiro,
A fraqueza vencendo a noite forte,
A vida que passou fronteira morte,
O céu subindo do despenhadeiro.
Antes do fim, o canto despedida
Se erguerá das nascentes do futuro
Evocando a batalha já perdida.
Depois... então se faça a nobre pausa,
Para que o canto seja além do muro
O efeito imaginando nova causa.
Autor: Paulo Bonfim, 50 anos de poesia, p. 185.
e,
rio que alarga o leito e entra vazando
nos campos abertos e amplos da terra extensa
rio que abre os braços e vira espelho
liso, tranquilo espelho das nuvems que passam
rio que alarga as bordas e vira num lago
lago extenso e amplo de lumo opaco.
Autor: Theon Spanudis, Poética, p. 151.