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Poesia: deleite-se ou delete-me (24.04.15).

 

 

O verdadeiro amigo é de Maraã.

 

Em Maraã, há muitos anos, tinha um homem que era considerado o mais rico da cidade, era comerciante que exercitava suas atividades pelos rios do Amazonas, que são suas estradas.

 

Nessa época, os motores que impulsionavam os barcos eram de muito pouca potência, mal "riscavam as águas", como se dizia, pois seu deslocamento era muito lento, daí as viagens que o comerciante empreendia durarem até mais de um ano.

 

Certo dia, quando se preparava para viajar até a cidade de Eirunepé, no Rio Juruá, um dos mais longos e tortuosos da região, fazendo ao longo de seu curso inúmeros "s", como se uma parte do rio fosse tocar em outra, dando a impressão ao viajante que ele navega em círculo, o comerciante chamou seu empregado de confiança, de nome Zerauj, rapaz jovem, atlético, bonito e inteligente e disse a ele de seus planos de viagem e que ele ficaria encarregado, juntamente com sua esposa, Méa, de tomar conta de sua casa, comércio e demais bens que ficavam. O rapaz espantou-se, pois era acostumado a seguir o patrão em todas suas viagens, mas sequer teve coragem de argumentar, pois percebeu que a decisão de seu senhor era irrevogável.

 

Eis que chegou o dia da partida.

 

Quando Zerauj foi se despedir de seu patrão trouxe consigo uma pequena caixa de metal e, entregando-a ao comerciante, disse:

 

- Meu querido patrão, leve esta caixa com o senhor e a trate como trata os seus próprios bens, pois ela é muito importante para mim e dela depende a minha vida.

 

Com algum espanto, o patrão recebeu a caixa e a guardou em seu cofre, sem questionar o seu empregado diante do tom misterioso de sua fala.

 

Passados alguns meses da ausência do marido, Méa, começou a insinuar-se para o jovem empregado. Insinuação que foi crescendo quanto mais o tempo passava, mas que sempre, com muito respeito, foram repelidas prontamente por Zerauj.

 

Ao ser rejeitada, a patroa, então, começou a dizer para os demais empregados e algumas de suas amigas que Zerauj era atrevido e a perseguia, não respeitando a ausência do seu marido e patrão do jovem.

 

Quando o marido retornou da longa viagem a mulher, em desespero, foi contar-lhe do mau proceder de Zerauj em relação a ela.

 

O marido, rico e senhor da vida e da morte de todos na cidade, pois comprava e pagava a polícia, mandou prender o jovem, sentenciando-o, desde logo, à morte.

 

Chegado o dia da execução, sempre diante da negativa de Zerauj, com quem o patrão nunca deixara de simpatizar, daí a sua revolta com a situação, resolveu perguntar ao empregado qual era sua última vontade, qual o seu último pedido. Ouviu, então:

 

- O senhor lembra que, no dia de sua partida nesta sua última viagem, entreguei ao senhor uma caixa de metal e lhe disse que dela dependia minha vida?

 

- Claro que lembro. Mas o que isso tem a ver com seu último pedido?

 

- O senhor poderia me devolver a caixa?

 

- Este é o seu último pedido?, perguntou o patrão espantado.

 

- Sim senhor, foi a resposta.

 

O patrão mandou buscar a caixa, que estava ainda no mesmo lugar que deixara quando a recebera e a entregou ao jovem. Este pediu ao patrão que dele se aproximasse, no que foi atendido. Foi, então, que Zerauj abriu a caixa e dentro dela, cortado, obviamente, estava seu próprio pênis!

 

- Como, então, meu senhor, eu poderia fazer aquilo de que me acusa sua esposa?!

 

(Baseado no conto de Luciano de Samosata, "A Deusa Síria".

 

Até mais,

 

Abraços,

 

Osório

 

POEMEMOS:

 

O Direito ao Delírio

 

 

Entrevistador: Mensagens das concentrações nas praças de Catalunha, de Espanha, é esta:

 

Se não nos deixais sonhar, não os deixaremos dormir”. E vou pedir-lhe agora, espero que concorde, fazer-nos sonhar com a leitura de um de seus textos.

 

Galeano: Sim...vou ler sim umas palavrinhas que têm a ver com o direito de sonhar, com o direito ao delírio, a partir de algo que aconteceu em Cartagena de Índias, há algum tempo quando estava em uma Universidade, lhes dando uma palestra junto com um grande amigo, um diretor de cinema argentino, Fernando Birri, e então os jovens, os estudantes, as vezes a mim, as vezes a ele e foi na vez dele a mais dificil de todas. Um estudante se levantou e lhe perguntou para que ser a “UTOPIA”? Eu olhei para ele com pena, pensei, está encrencado e ele respondeu magnificamente da melhor forma. Ele disse que a Utopia está no horizonte, e disse: Eu sei muito bem que nunca a alcançarei, que se eu ando dez passos ela se distanciará dez passos quanto mais a procure menos a encontrarei, porque ela vai se distanciando, quando mais me aproximo. Boa pergunta não? Qual é sua utilidade? Pois a utopia serve para isso, PARA CAMINHAR.

 

Entrevistador: Muito bom, muito boa resposta, podemos nos levantar, por favor.

 

Galeano: sim

 

Entrevistador: E andamos também?

 

Galeano: Claro, perfeito, sim, sim.

 

Entrevistador: E caminhamos em direção à utopia?

 

Galeano: claro.

 

Galeano: Que acham se delirarmos por um tempinho? Que acham se fixarmos nossos olhos mais além da infâmia para imaginar outro mundo possível? O ar estará limpo de todo veneno que não venha dos medos humanos e das humanas paixões, nas ruas, os carros serão esmagados pelos cães. As pessoas não serão dirigidas pelos carros, nem serão programadas pelo computador, nem serão compradas pelos supermercados, nem serão também assistidas pela TV. A TV deixará de ser o membro mais importante da família e será tratado como o ferro de passar ou a máquina de lavar roupa. Será incorporado aos códigos penais, o crime de estupidez para aqueles que o cometem por viver para ter ou para ganhar, ao invés de viver para viver simplesmente, assim como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca. Em nenhum país irão prender os rapazes que se recusem a cumprir o serviço militar, senão aqueles que queiram servi-lo. Ninguém viverá para trabalhar, mas todos nós trabalharemos para viver. Os economistas não chamarão mais o de nível de vida ao nível de consumo e nem chamarão de qualidade de vida as quantidades de coisas. Os cozinheiros não acreditarão que as lagostas adoram serem fervidas vivas. Os historiadores não acreditarão que os países adoram serem invadidos. Os políticos não acreditarão que os pobres adoram comer promessas a solenidade deixará de acreditar que é uma virtude e ninguém, ninguém levará a sério alguém que não seja capaz de tirar sarro de si mesmo. A morte e o dinheiro perderão seus mágicos poderes, e nem por falecimento, nem por fortuna se tornará o canalha em um virtuoso cavaleiro. A comida não será uma mercadoria, nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos. Ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão. As crianças de rua não serão tratados como se fosse lixo, porque não existirão crianças de rua. As crianças ricas não serão tratadas como se fosse dinheiro, porque não haverá crianças ricas. A educação não será privilégio daqueles que possam pagá-la e a polícia não será a maldição de quem não possa comprá-la. A justiça e a liberdade, irmãs siamesas, condenadas a viver separadas, novamente juntas de volta, bem grudadinhas, costas com costas. Na Argentina, as loucas da “Plaza de Mayo” serão um exemplo de saúde mental porque elas se negaram a esquecer nos tempos de amnésia obrigatória. A Santa Mãe Igreja corrigirá algumas erratas das escritas de Moisés, e o Sexto Mandamento mandará festejar o corpo. A Igreja também realizará outro mandamento que Deus havia esquecido: “ Amarás a natureza da qual fazes parte”. Serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma. Os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque eles são os que se desesperaram de muito, muito esperar e eles se perderam de muito, muito procurar. Seremos compatriotas e contemporâneos de todos os que tenham vontade de beleza e vontade de justiça, tenham nascido quando tenham nascido e tenham vivido onde tenham vivido, sem que importem nenhum pouquinho as fronteiras do mapa nem do tempo. Seremos imperfeitos, porque a perfeição continuará sendo o chato privilégio dos deuses, mas neste mundo, neste mundo trapalhão e fodido, seremos capazes de viver casa dia como se fosse o primeiro e cada noite como se fosse a última.

 

Tradução: Enzo De León. (Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=m-pgHlB8QdQ)

 

 

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