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Poesia: deleite-se ou delete-me (28.11.14).

 

Maraãvilhosos,

walquiria moreira

 

JESUS RIU?

...

 

O tom está dado: em toda parte em que se fala explicitamente de riso no Novo Testamento, é para condená-lo como zombaria ímpia, sacrílega. Não há nenhuma menção ao riso positivo. Daí o surgimento do famoso mito do qual se tirarão consequências mortais para os cristãos: já que não se fala que Jesus riu, é porque ele não riu, e como os cristãos devem imitá-lo em tudo, não devem rir. Essa tradição nasce com João Crisóstomo e, depois, difunde-se largamente. Bento de Aniana, em Concordia regularam, declara que Salviano de Marselha a transmitiu, no século V, à Igreja latina, quando a reencontramos em Ferreolus, no século VI, em Regula ad monachos; em Ludolfo de Saxe, no século IX; e em Pierre le Chantre, no século XII. No Oriente, são Basílio escreve, no século IV, em Grandes regras: "Os relatos evangélicos o atestam, jamais ele [Jesus] cedeu ao riso. Pelo contrário, ele chama de infelizes aqueles que se deixam dominar pelo riso". Uma carta apócrifa da Baixa Idade Média, a Epístola a Lentulus, vai no mesmo sentido, e a tradição torna-se um lugar-comum na teologia clássica. A arte também a segue: nenhuma estátua, nenhum quadro, nenhum afresco, há dois mil anos, representa Jesus rindo — com exceção da obra provocante do surrealista Clovis Trouille, Le grand poème d'Amiens (1942). Vê-se aí, no deambulatório da catedral, Cristo, coroado de espinhos, o corpo coberto de chagas, sacudido por grande gargalhada e olhando a abóboda. Voltaremos, mais tarde, ao sentido possível dessa obra.

Nos primeiros séculos, contudo, observa-se uma certa reticência em alguns grupos. Essa história de um deus crucificado, de um deus que triunfa e resgata com sua morte, parece tão inverossímil, escandalosa, que se suspeita de fraude, grande logro de última hora. É a teoria de um dos ramos do gnosticismo, o docetismo, desenvolvida por Basílidas. De acordo com ele, no momento da Paixão, Deus, grande prestidigitador, inverteu as aparências de Jesus e de Simão de Cirineu. Foi Simão quem foi crucificado, enquanto Jesus ri, de bom grado, dos romanos e dos judeus. São Irineu, em [121] seu livro Contra as heresias, dá notícia dessa posição: "Quanto a Jesus, ele próprio toma os traços de Simão e, estando lá, caçoa dos arcontes. De fato, sendo uma potência incorpórea e o intelecto do Pai não gerado, ele se metamorfoseou como quis e foi assim que subiu aos Céus, para Aquele que o enviara, caçoando dos outros, porque ele não podia ser retido e era invisível a todos. Aqueles que 'sabem' isso foram libertados dos arcontes donos do mundo". Trata-se, nesse caso, do riso de triunfo daqueles que são libertados.

Woody Allen: "Deus não existe, mas somos seu povo eleito!". [123]

...

Destino trágico da espécie humana, peso do pecado, culpabilidade, medo da danação, miserabilidade dos períodos de perseguição: o cristianismo escolheu o drama, a autodepreciação do fiel. Em um artigo de título elucidativo ("O humor no cristianismo: uma qualidade que faz falta"), o dominicano Dominique Cerbelaud escreve: "Indubitavelmente, o cristianismo faz a apologia da humildade, mas essa virtude não suscita hilaridade.52 Ele acrescenta que, depois de dois mil anos, o cristianismo esteve mais vezes em posição dominante que em posição dominada; aliado íntimo dos poderes, sempre disputou com eles a posição suprema. E isso não favorece nem o humor nem a ironia, qualidades julgadas subversivas. O tom pomposo e peremptório das encíclicas e dos decretos conciliares o confirma: não se brinca com essas coisas.

O "Dai a César o que é de César" ou o contundente “Aquele que nunca pecou que atire a primeira pedra" são marcas de uma ironia mordaz, que a tradição cristã se empenhou em ampliar. Quanto a saber se o Jesus histórico pronunciou essas palavras, é outro problema. [124]

a palavra mágica com a qual a Teologia resolve todos os problemas supremos: mistério!

 

DIABOLIZAÇÃO DO RISO PELOS PAIS DA IGREJA

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Clemente de Alexandria segue antes o ensinamento de Platão: o riso barulhento pertence ao domínio do baixo, do feio; ele deforma o rosto e caracteriza as prostitutas e os proxenetas. Em compensação, o sorriso é harmonia. Clemente se quer moderado, equilibrado, na linha de Cícero e Quintiliano. É preciso comedimento, "conferindo uma evasão harmoniosa ao sério e à tensão de nossa boa vontade, sem relaxá-los até a dissonância. Permitir ao rosto a harmonia, como se faz com um instrumento na regularidade dos traços, é o que se chama sorriso - se o sorriso se expande, ele se reflete sobre todo o rosto: é o riso dos sábios; mas quando se relaxam os traços do rosto até destruir-lhe a harmonia, e se isso acontece com as mulheres, chama-se kichlismos, o riso das prostitutas; se se trata de homens, chama-se kanchasmos, ou seja, o riso ultrajante dos proxenetas".

O riso está sob grande vigilância: "No riso, deve-se colocar um freio: se ele se produz como deve, manifesta também o equilíbrio; se não se apresenta assim, é sinal de desregramento. Resumindo: não é preciso suprimir tudo o que é natural ao homem, mas, antes, deve-se impor-lhe a medida e o tempo convenientes. Não é porque o homem é um animal capaz de rir que é preciso rir de tudo". Clemente impõe tantas condições, limites e obrigações ao exercício do riso que nos perguntamos se o riso ainda é possível, tão perseguido, suspeito, acossado ele é. Por fim, escreve ele, "é necessário ser não sombrio, mas reflexivo; eu aprovo totalmente aquele que aparecia 'sorrindo com uma máscara terrível'” (Homero, Ilíada, VII, 212). A fórmula é bonita, mas não se sabe como traduzi-la sobre um rosto. [129]

"E ISSO VOS FAZ RIR!" (JOÃO CRISÓSTOMO)

O mais ferrenho adversário do riso, dentre os pais da Igreja, é são João Crisóstomo (344-407). Se ele colocasse em prática o conteúdo dos seus sermões, jamais seria possível ver os dentes do homem de “boca de outo”. Para ele, o riso é absolutamente satânico, diabólico, infernal: “Por toda parte, o demônio dirige esse triste concerto; os divertimentos não são dons de Deus, mas do diabo". Em Comentário sobre a Epístola de São Paulo aos hebreus, ele se entrega a uma espantosa diatribe contribe contra o riso, que encontra em toda parte; as igrejas, os conventos, a rua, o teatro, as reuniões privadas ressoam, para ele, com esse riso obsessivo que parece persegui-lo com o grito de triunfo de Satã:

"Vós, com esse riso ousado, imitais as mulheres e, como elas, que se espreguiçam sobre as pranchas do teatro, tentais fazer os outros rir. Isso e a inversão, a destruição de qualquer bem. Nossos assuntos sérios tornam-se objeto de riso, de gracejos e de trocadilhos. Não há nada de firme, nada de grave, em nossa conduta. Não falo aqui apenas dos seculares; sei daqueles que tenho em vista, uma vez que a Igreja está cheia de risos insensatos. Se alguém pronuncia uma palavra agradável, o riso logo aparece nos lábios dos assistentes e, coisa espantosa, vários continuam rindo até durante o tempo das preces públicas. ... Não escutastes São Paulo gritar: 'Que toda vergonha, que toda tolice de linguagem, toda bufonaria seja banida do meio de vós'? Ele coloca, assim, a bufonaria na mesma classe das torpezas. E, contudo, vós rides! O que quer dizer tolice de linguagem? Quer dizer que não há nada de útil. Mas vós rides assim mesmo; o riso contínuo alegra vosso rosto, e vós sois monges? Fazeis profissão de ser crucificados no mundo e vós rides! Vosso estado é de chorar, e vós rides!

Vós que rides, dizei-me: onde haveis visto que Jesus Cristo vos tenha dado o exemplo? Em lugar nenhum, mas muitas vezes vós o vistes aflito! De fato, à vista de Jerusalém, ele chorou; ao pensar na traição, ficou perturbado; quando ia ressuscitar Lázaro, derramou lágrias. E vós rides!

Eis que é chegado o tempo de luto e de aflição, o momento de castigar vosso corpo e de reduzi-lo à servidão, à hora do suor e dos combates. E vós rides! E não vos lembrais de como Sara foi repreendida por esse fato! E não escutais esse anátema de Jesus Cristo: 'Infeliz daquele que ri, porque ele chorará!' ...

Mas talvez haja aqui alguns tão devassos, tão efeminados, que nossas censuras os fazem rir ainda, pelo simples fato de que falamos do riso. Porque a natureza desse defeito é a insensatez e o embrutecimento do espírito...[130]

O que põe João Crisóstomo literalmente fora de si é que, quanto mais ele troveja contra o riso, mais se ri. Por isso mesmo, o riso prova seu poder dibólico: incontrolável, insensato, insensível à ponderação, à lógica, à ameaça, ele supera o medo sobre o furor sagrado que só faz atiçá-lo, como uma corante de ar sobre o fogo. O pregador, deixando-se levar contra o riso, torna-se cômico; querendo estancar o riso, faz com que riam dele; desforra do diabo, potência de Satã que dissipa, por esse vão ruído, o espírito divino. A cólera, mesmo a divina, nada pode contra o riso, símbolo consagrado da liberdade.

João Crisóstomo não chega a compreender esse paradoxo: "Como, tendo de dar conta de tantos pecados, vos divertis rindo, a dizer brincadeiras e a buscar as delícias da vida? 'Mas que ganharia eu', dizeis-me, 'se chorar em lagar de rir?' Ganharíeis infinitamente.... E, na verdade, que motivo tendes para vos alegrar e explodir de rir, já que sois tão devedores da justiça divina o deveis comparecer diante de um terrível tribunal e prestar conta exata de todas as vossas ações? ... Mas, se nos tornamos frouxos e preguiçosos, se nos divertimos e nos entregamos ao riso, seremos vencidos por nossa moleza antes de combatê-la".

...”

Fonte: Georges Minois, História do riso e do escárnio, tradução Maria Elena O. Ortiz Assumpção, UNESP, São Paulo: 2003).

Como resposta a tudo isso, vejam:

 

Papa rindo!

 

Abraços,

 

Osório

 

POEMEMOS:

Encarnação

Carnais, sejam carnais tantos desejos,

carnais, sejam carnais tantos anseios,

palpitações e frêmitos e enleios,

das harpas da emoção tantos arpejos…

Sonhos, que vão, por trêmulos adejos,

à noite, ao luar, intumescer os seios

láteos, de finos e azulados veios

de virgindade, de pudor, de pejos…

Sejam carnais todos os sonhos brumos

de estranhos, vagos, estrelados rumos

onde as Visões do amor dormem geladas…

Sonhos, palpitações, desejos e ânsias

formem, com claridades e fragrâncias,

a encarnação das lívidas Amadas!

 

Autor: Cruz e Souza (colaboração do Beto).

 

e,

 

Vejam como a bíblia, um livro como qualquer outro, só que ela vem sendo aperfeiçoado ao longo de milênios – onde faz água, alguém parece para tampar o furo, embora existam furos para os quais ainda não se encontrou a rolha adequada – trás algumas poesias interessantes. Vejam uma abaixo, com uma linha de introdução:

Não é ruim beber vinho, porque 'o vinho traz leveza ao coração e alegria à alma'”.

e,

 

Não abandones tua alma ao desgosto

nem te atormentes deliberadamente.

Um coração alegre mantém um homem com vida

e a alegria prolonga a duração de seus dias.

Diverte tua alma, reconforta teu coração

e expulsa para longe de ti a tristeza;

porque a tristeza causou a perda de muitos

e não se ganha nada em abandonar-se a ela.

Ciúme e cólera tornam os dias menos numerosos,

e as preocupações engendram uma velhice prematura.

Um coração alegre favorece o apetite

e acarreta grande atenção aos bons alimentos”.

Autor: só deus sabe, mas está no Siracida (ou Eclesiásticos, como dizem os afetados).

 

 

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