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Poesia: deleite-se ou delete-me (07.11.14).

 

Maraãvilhosos,

Cris   canetinha(1)

 

Historinha de Maraã:

 

 

Minha mãe é minhas mães!

 

Minha mãe não está bem de saúde e de juízo, como se este não fosse integrante daquela, mas continua sendo minha mãe!

D. Rosa é minha mãe duas vezes, a primeira por ter me parido, a segunda por ter sido minha mãe, verdadeiramente, me criado e me educado, se é que educado sou.

Quando eu era criança ela costumava me bater bastante, embora, por eu ter sido um menino muito danado, quase sempre eu merecesse suas surras, mas apanhava também quando ela se desentendia com meu pai e, não podendo bater nele, batia em nós, seus filhos. As “peias” eram leves, mas constantes.

Mamãe era muito séria e quase sem humor, o inverso de papai!

Dormia às 18 ou 19 horas para estar de pé lá pelas 4 da madrugada!

Fumava, mas deixou por, segundo ela, “ter tomado vergonha na cara”!

Fazia coro com papai para que estudássemos. “Estudo é tudo na vida”, dizia.

Lia com certa facilidade, pois fez até a segunda série do antigo primeiro grau, embora não lembrasse do que leu ao final da leitura! Deixou de estudar para ir ajudar sua mãe, segundo ela, depois se disse arrependida.

Quando fui para Manaus estudar, e papai morreu no ano seguinte, mamãe passou a nos sustentar com os dois salários mínimos que recebia, um como viúva e outro como funcionária da prefeitura municipal de Maraã. Tempos difíceis, com a fome a nos rondar, embora nunca tenha dado o bote final!

Desse seu sagrado dinheiro mamãe destinava uma parte para me enviar junto com suas cartas a me desejarem saúde e me incentivar nos estudos. Nunca se queixou de nada! Era de um estoicismo a toda prova!

Só depois de formado na faculdade fui informado por meus irmãos, e por ela própria, das necessidades que passaram e das pessoas que a ajudaram: Iuca, Gladis e tantas outras.

Imaginei a situação porque tantas outras pessoas me ajudaram também: Hélio, Simão, Adil, Lucy, Yara e outras mais.

Assim como “todo menino é um rei”, eu também sonhava ser um rei, embora, vendo a partir de hoje, tal somente aconteceria se “chovesse dinheiro”, pois eu sequer jogo na loteria, anteriormente não jogava pelo fato de que o dinheiro da aposta faria falta na comida, agora não jogo por desinteresse mesmo, embora deseje ganhar sem jogar! Nessa época de adolescência, sonhando com boas roupas, carrões, casa bonita e polpuda conta bancária, cheguei a ter vergonha da pobreza que cobria minha pobre mãe! Suas roupas humildes e suas havaianas não estavam a altura da minha, hoje sei, estupidez, por isso, depois e agora, passei a envergonhar-me de mim mesmo, embora atribua o fato à imbecilidade humana que, se não nos policiarmos e formos orientados, está sempre à espreita e, as vezes, se apossa de suas vítimas.

Num dia em que estive o mais perto da morte, penso, quando sofri um acidente de automóvel – o carro em que eu estava captou várias vezes –, e pensei que ia morrer, pois minha cabeça que ficou para o lado de fora da janela do carona quase bate no meio fio, minha única lembrança nos milésimos de segundo foi minha mãe: que será dela sem mim?, perguntei-me, embora eu fosse, ainda, apenas um peso para ela. Não posso morrer por causa da minha mãe, disse a mim mesmo. Sobrevivi!

Formado em Direito e já advogado, meu primeiro dinheiro foi destinado a comprar-lhe uma casa em Manaus para tê-la por e perto de mim!

Estava eu unido a uma pessoa com quem morava, mas visitava mamãe todos os dias, ou ela ia me visitar. Era forte e vivia dentro dos ônibus por achá-los rápidos e confortáveis, se comparados as embarcações que sempre foram seu meio de transporte.

Certa vez alguém lhe perguntou onde ela morava e ela disse que na Cidade Nova, um bairro na periferia de Manaus, e o interlocutor prosseguiu: é muito longe! E ela:

- Longe é quando eu morava no Maraã! De lá, para chegar em Manaus eu gastava dias, agora gasto apenas uma hora!

Rimos muito dessa sua espirituosa sacada, mas ela demonstrava que para ela não existiam dificuldades.

Nos ônibus lotados ela “gostava de sentir o calor humano”!

Fui ser promotor de Justiça em Tefé-Amazonas e mamãe foi para lá comigo!

Voltamos para Manaus e fomos morar na mesma casa, pois eu já estava separado da mãe de meu filho, filho a quem ela me ajudou a educar, para espanto de meu amigo Sérgio, pois, segundo ele, a educação de Juarez não provinha da minha rudeza! Mamãe sempre ensinou aos seus filhos e netos tratar a todos por “senhor e senhora”. Gosto muito disso.

Aos sábados, na capital amazonense, eu e meu filho Juarez e mamãe íamos participar da feijoada que era servida nesse dia na associação do Ministério Público.

Mamãe sempre estava ao meu lado, para espanto de muitos, já que ninguém costumava andar constantemente na companhia e com a sua mãe a tira colo, exceto o Osório aqui.

Fui ser procurador da República em Roraima e mamãe foi comigo para Boa Vista!

Vim estudar e trabalhar em São Paulo e mamãe veio comigo.

Nesse ínterim ela estava sempre pronta para fazer suas comidinhas deliciosas de mãe, não importando a hora que eu chegasse em casa! Aliás, quando mais tarde eu chegava, mais ela estava disposta, pois queria me ver saciado!

Com suas comidinhas ajudavam-me também na conquista de suas noras que iam visitá-la!

Suas farofas de “miúdos” (coração, moela e fígado) de galinha; seus bifes de fígado bovino; seus peixes fritos ainda me enchem o nariz de odor e a boca de água!

Meu quarto estava sempre brilhando: limpo a toda prova.

Minhas roupas ela mesma passava, fazendo questão de deixar os vincos nos locais apropriados! Meus lenços eram dobrados com perfeição, de forma a melhor aproveitar suas finalidades!

Minhas meias eram dobradas de forma a facilitar o calçamento e meus sapatos estavam sempre lustrados.

Se eu pensasse alto em algo ela já executava, as vezes fazendo coisas que eu na verdade nem queria, mas tudo ela fazia para me agradar.

Essa “responsabilidade e dedicação” ela queria exigir de suas noras e aí a casa caía. Eu dizia-lhe: esposa não é mãe, mas ela não se conformava.

Viajamos por várias cidades do Brasil e por algumas da Venezuela, Argentina e Uruguai!

Mamãe, que nunca adoecia, depois de um tempo, passou a sentir fortes dores de cabeça todos os dias!

Digo forte porque as pequenas, como toda mulher, ela “ignorava”!

Procuramos médicos em Manaus e em São Paulo, os mais diversos e em inúmeras especialidades. Nunca descobriam o que causava-lhe tantas dores! Passou mais de 10 anos sentindo dor, que melhorava com o uso diário de remédios.

Começou a esquecer panelas no fogo!

Começou a falar mal, inventando coisas, de um filho para o outro, quase nos levando a brigas antes de descobrirmos que ela não estava bem!

Um dia minha irmã Júlia, que estava com ela em Manaus, me telefonou, eu estava em São Paulo, e disse que mamãe seria operada na cabeça! Que um médico em Manaus tinha diagnosticado a doença dela: “hidrocefalia por idade”! Doença raríssima.

Como?! Perguntei desesperado. Se nem os médicos de São Paulo depois de todos os exames descobriram nada, como um médico aí de Manaus vai operá-la?

Júlia ponderou eu cedi, cheio de medo de que seu cérebro fosse ser atingido.

Fui para Manaus acompanhar a cirurgia.

Foi colocada uma válvula no crânio dela que drena o excesso de líquido para o estômago.

No dia seguinte à operação mamãe já estava em casa e sem dor, que não voltou a sentir nunca mais!

A hidrocefalia costuma aumentar o tamanho da cabeça daqueles que são seu portador, mas a da mamãe, por seus ossos já estarem consolidados, não cresceu, daí eu achar, inicialmente, que o diagnóstico era incorreto!

Entretanto, o longo período em que o excesso de líquido imprensou a massa encefálica dela veio a afetar algumas funções cognitivas da minha amada mãe!

Ela, por exemplo, está falando normalmente e, de repente, muda de assunto ou puxa outro assunto que ocorreu há décadas como se tivesse acabado de acontecer!

Dia desses, seus irmãos, ainda pensando que ela estava normal, foram, convidados por ela, a subir a escada para irem até o meu apartamento, mas ela, à frente, caiu e quebrou o fêmur!

Hoje está numa cadeira de rodas!

Reconhece seus filhos, falamos ao telefone e sempre que posso estou aos seus pés, mas diz que está namorando William Bonner e outros galãs da TV!

Passou a falar palavas de baixo calão, palavrões, coisa inimaginável em sua boca antigamente.

Lembra de fatos e pessoas que nunca lembrava, mas esquece o que acabou de acontecer.

Gosta de passear de automóvel e, de vez enquanto, beber uma dose de cachaça de uva, o que nunca fazia, bem como beber uma malzebier, mas apenas uma, como raramente fazia.

Por tudo isso, minha mãe é minha mãe duplamente e, como Rosa que é, meu eterno jardim!

 

Abraços,

 

Osório

 

POEMEMOS:

 

VIDA

 

 

Às vezes

as coisas se arranjam,

outras, não.

Por que culpar o coração?

 

Autor: Fausto Wolff, Cem poemas de amor e uma canção despreocupada, Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2000, p. 15.

 

e,

 

SÚPLICA

 

Quem mandou ele

deixar eu descobrir

que era responsável

pelas chagas do mundo?

Logo eu,

bêbado irresponsável,

o mais imundo?

Ele dá muito,

mas pede mais ainda.

Pai, por que me persegues?

 

Autor: Fausto Wolff, Cem poemas de amor e uma canção despreocupada, Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2000, p. 38.

 

e,

 

O POETA E A MASSA

(A Oswald de Andrade)

 

A vida foi feita para o poeta

Vivê-la:

Sem medo de gozar

Sem medo de poetar

Sem medo de atirar-se do picadeiro

Sem medo de mergulhar bem fundo no mundo

Nas artes, nas praças, nas vilas, nos guetos.

 

O poeta não atingiu o inatingível

O poeta provou o biscoito fino

Mas não alcançou a massa.

 

Eu só tenho pena da massa

Que tão massificada

Não provou do biscoito fino

Que o poeta fabricou.

 

Autor: Rogério Brito, Cangalha escangalhada..., GerúndioGEedições, São Paulo: sem data, p. 26.

 

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