APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO:ALOYSIO PINHEIRO GUIMARAES
PARTERÉ: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF
RELATOR: JUIZ ANDRÉ NEKATSCHALOW – QUINTA TURMA
PARECER
COLENDA TURMA,
NOBRE RELATOR:
Ação: alvará judicial.
Objeto: alvará judicial que autorize o autor a promover o levantamento do saldo existente em conta vinculada do FGTS em seu nome perante a CEF por estar acometido de Hepatite C, vírus HCV (fls. 02/05).
Remessadosautos: a ação foi distribuída inicialmente na Justiça Estadual, sendo remetida à Justiça Federal após a resistência ofertada pela ré (fls. 69/72), à fl. 73.
Resultado:procedência do pedido, às fls. 78/83.
Recurso: às fls. 87/89.
Recorrente: Ministério Público Federal.
Razõesdeapelação: o MPF requer a declaração de nulidade absoluta da sentença proferida, tendo em vista a ausência de manifestação do parquet, nos termos do art. 1.105 do CPC.
Contrarrazões: às fls. 93/97.
Relatado. Opina.
AusênciadevistadosautoseintimaçãodoMPFemprimeirograu:Contrariando o mandamento do Código de Processo Civil, art. 1.105, observa-se que não fora dado vista dos autos para oferecimento de parecer pelo Ministério Público Federal por se tratar de procedimento especial de jurisdição voluntária. A ausência de intimação do órgão ministerial quando a lei a prevê é causa de nulidade absoluta de todos os atos supervenientes ao momento em que a intimação deveria ter ocorrido, como se dessume do art. 84, do Código de Processo Civil.
É certo que o órgão ministerial deve sempre ter vista das ações de jurisdição voluntária antes da sentença, porque a lei presumiu a existência de indício de interesse público nessa modalidade de demanda. Isto não significa que ele deva sempre se manifestar sobre o mérito da causa; pode não fazê-lo, se julgar que o assunto versado na lide não afeta interesse individual ou social indisponível. Masapenasoórgãoministerialpoderealizarestejuízodevalor,graçasàsuaindependênciafuncional(Constituição,art.127,§1o). SóelepodedeclararsedeterminadoassuntointeressaounãoaoMinistérioPúblico,sendoabsolutamentedefesoaomagistradonãoremeterosautosaoórgãoministerialporjulgarquedeterminadotemanãolheinteressa.
Importa considerar que o Ministério Público Federal, na qualidade de fiscal da lei, não foi intimado antes da sentença, acarretando, dessa forma, nulidade insanável por violação à norma Processual Civil que em seu art. 246 estabelece:
Art. 246. É nulo o processo, quando o Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deve intervir.
Parágrafo único.SeoprocessotivercorridosemoconhecimentodoMinistérioPúblico,ojuizoanularáapartirdomomentoemqueoorgãodeviaserintimado.(grifonosso)
Assim, tramitou em primeiro grau um procedimento de jurisdição voluntária sem que o Ministério Público dele tomasse conhecimento, ao arrepio da lei.
Repise-se que sequer fora aberta vista para o membro ministerial, atuante em sede de primeiro grau, para externar seu posicionamento como custolegis (fiscal da lei).
Apesar deste órgão concordar com o autor de que haveria excesso de formalismo, o magistrado não pode ignorar o princípio da legalidade ao qual estão vinculados os atos processuais. Bastaria que o juiz abrisse vistas ao MPF antes de proferir sentença, cumprindo o determinado em lei, que evitaria tamanha balburdia processual.
Permitir que o juízoaquo aja desta forma, pode causar a repetição de tal postura em inúmeros outros feitos. Pode-se, inclusive, citar o provérbio que diz “Ousodocachimbofazabocatorta”1, ou seja, ao se repetir um erro inúmeras vezes, acaba-se consolidando-o no tempo.
Destarte, a intimação posterior à sentença não supre a nulidade por inexistência de abertura de vista para manifestação antes da sentença. Isto porque, trata-se de vício insanável, impossível de convalidação, já que estamos diante de uma nulidade (questão de ordem pública), a qual pode ser arguida a qualquer momento e em qualquer grau de jurisdição.
Não pode o juiz ser bonzinho às custas da legalidade! Mesmo porque juiz não é para ser bonzinho, mas para cumprir a lei!
Aliás, essa é uma “bondade” que só faz mal à parte e à sociedade como um todo.
Agora posa o MPF de mau aos olhos da parte, e até com certa razão, pelo fato do magistrado de aplicar conhecimento tão comezinho!
Neste sentido, confira-se os seguintes arestos que tratam da questão sob contenda:
PROCESSUAL CIVIL. LIBERAÇÃO DO FGTS. JURISDIÇÃO VOLUNTARIA.CITAÇÃO DOS INTERESSADOS E INTERVENÇÃO DO MINISTERIO PUBLICO. OBRIGATORIEDADE. - NOS PEDIDOS DE LEVANTAMENTO DE FGTS FACE A MUDANÇA DE REGIME JURIDICO DO SERVIDOR, SE ELEITA A VIA PROCESSUAL DE JURISDIÇÃO VOLUNTARIA, E OBRIGATORIA CITAÇÃO DE TODOS OS INTERESSADOS - COMO A UNIÃO FEDERAL - E A INTERVENÇÃO DO MINISTERIO PUBLICO, SOB PENA DE NULIDADE (ART. 1105 DO CPC). - REMESSA DOS AUTOS AO JUIZO DE ORIGEM PARA PROMOVER A CITAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL E A INTIMAÇÃO DO MINISTERIO PUBLICO. - APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. PRELIMINR DE LITISCONSORCIO PASSIVO DA UNIÃO ACOLHIDA.
(AC 9205051241, AC - Apelação Civel – 13214, Relator Juiz Federal Hugo Machado, TRF5, Primeira Turma, DJ - Data::27/11/1992) – Grifos nossos.
e,
PREVIDENCIÁRIO. ALVARÁ. LEVANTAMENTO DE VERBA CORRESPONDENTE A RESÍDUO DE BENEFÍCIO. FALTA DE CITAÇÃO DO INSS E INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NULIDADE. 1. A falta de intervenção do Ministério Público no feito e a ausência de citação do INSS, que, como destinatário dos mesmos privilégios concedidos à Fazenda Pública deve ser ouvido nos casos em que tiver interesse ( ART-1108 CPC-73 ) , tornam nula a sentença proferida ( ART-1105 CPC-73 ) . 2. Precedentes jurisprudenciais. 3. Apelos providos. (AC 9704563329, AC - APELAÇÃO CIVEL, Relatora Juíza Federal VIRGÍNIA AMARAL DA CUNHA SCHEIBE, TRF4, QUINTA TURMA, DJ 16/09/1998 PÁGINA: 459) – Grifo nosso.
e,
PREVIDENCIÁRIO. ALVARÁ JUDICIAL. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. CITAÇÃO. AUSÊNCIA. PROCESSO ANULADO. 1. É necessária a citação dos interessados e ciência do Ministério Público nos processos de jurisdição voluntária, conforme previsto no ART-1105 e seguintes do CPC-73. 2. Processo que se anula a partir da inicial, em face de inexistência de citação.(AC 9804088452, AC - APELAÇÃO CIVEL, Relatora Juíza Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, TRF4, QUINTA TURMA, DJ 10/06/1998 PÁGINA: 688)- Grifos nossos.
Conclusão: Diante do exposto, opina o Ministério Público Federal pelo provimentodaapelação.
São Paulo, 26 de fevereiro de 2013.
OSÓRIO BARBOSA
PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA
1 Em <http://www.dicionariodeexpressoes.com.br/busca.do?expressao=O%20costume%20do%20cachimbo%20deixa%20a%20boca%20torta> Acesso em 19 de fevereiro de 2013.