Livros que Li

Você está aqui: Home | Livros | Livros que Li

"Uma breve história da literatura" - John Sutherland (L&PM)

 

Uma breve história da literuatura John Setherland

Caroas todoas,

 

Algo que tenho observado ao longo das minhas leituras é que os autores, com exceção dos brasileiros, costumam dizer que “tudo que é bom teve origem em seus países, saindo de lá para os outros lugares”!

 

Os brasileiros, ao contrário, tudo que é bom veio de fora, especialmente dos Estados Unidos, e tudo que não presta é do Brasil!

 

O inglês cujo livro lemos e com quem abaixo conversamos não foge à regra, embora tenha um olhar mais crítico sobre seu país e o imperialismo, o que, de certo modo, mostra honestidade intelectual e informa melhor aos que querem ter um conhecimento mais fundamentado e independente da propaganda massiva que os impérios exercem sobre aqueles para quem buscam ser aceitos e glorificados, mesmo que isso implique a escravização dos glorificadores!

 

Embora o livro seja de História da Literatura, traz informações extras preciosas, como de resto fazem os bons livros, capazes de orientar o leitor para a vida.

 

Vamos conhecer um pouco do que vi na obra?

 

Sigamos, então:

 

“UMA BREVE HISTÓRIA DA LITERATURA

 

JOHN SUTHERLAND

 

CAPÍTULO 1

 

O que é literatura?

 

Isso assinala certas verdades importantes a respeito da literatura. Primeiro, é óbvio, que nós a consideramos uma das coisas mais importantes em nossas vidas. [Osório diz: ou pelo menos deveríamos].

 

...

Esta breve história não é um manual ("Leia isto!"), mas dá conselhos mais ou menos assim: "Você poderá considerar isto valioso, porque muitos outros o consideraram, mas, no fim das contas, precisa decidir por si mesmo". (p. 10)

 

O tempo empregado na leitura de literatura é sempre um tempo bem empregado. Não aceite que alguém lhe diga o contrário.

 

O que, então, é literatura? (p. 11)

...

 

Lúcia se vê no que poderíamos chamar de "universo alternativo" – um mundo da imaginação, mas tão real, em essência, como a Londres que ela deixou para trás.

...

 

... "alegoria"ou seja, representa algo em termos de outra coisa; retrata algo muito real em termos de algo totalmente irreal.

 

...

 

Mas mesmo assim sentimos (e por certo era intenção de Lewis que seu leitor sentisse) que as eviden­tes inverdades de Nárnia contêm um sólido núcleo de verdade. (p. 12)

 

...

 

Toda obra de literatura, por mais humilde que seja, em Aguin nível está perguntando: "Qual é o sentido disso tudo? Por que estamos aqui?". Filósofos e ministros da religião e cientistas respondem a essas perguntas a seu próprio modo. Na literatura, é a "imaginação" que encara essas perguntas básicas.

 

...

 

Uma grande obra de literatura nunca deixa de nos dar algo, qualquer que seja o momento de sua vida em que você a leia, e seja lá de que fonte ela venha.

 

...

 

A literatura nos distrai da tarefa real de viver. (p. 13)

 

...

 

a palavra "literatura" significa coisas feitas de letras ... a literatura é a mente humana no auge de seu talento para expressar e interpretar o mundo ao nosso redor.

 

...

 

Por que ler literatura? Porque ela enriquece a vida de maneiras que não encontramos em nada mais. Ela nos torna mais humanos. E quanto melhor aprendermos a lê-la, tanto melhor ela fará isso. (p. 14)

 

 

CAPÍTULO 2

 

Fabulosos primórdios

 

MITO

 

...

 

“mito”. Ele se origina nas sociedades que "contam" sua literatura, em vez de escrevê-la. (p. 15)

 

...

 

Criar mitos faz parte da nossa natureza. Diz respeito a quem somos enquanto seres humanos.

 

... é o que o mito faz. Ele cria um padrão onde nenhum existia, porque encontrar um padrão nos ajuda a dar sentido às coisas.

 

...

 

Um modo, então, de pensar sobre o mito é que ele extrai um sentido da falta de sentido na qual, enquanto seres humanos, nós todos nos encontramos. Por que estamos aqui, e estamos aqui "para" quê? Normalmente, o mito fornece uma explicação através de histórias (a espinha dorsal da literatura) e símbolos (a essência da poesia). (...) Mas você precisa, de alguma maneira, "dar sentido" ao fenômeno. (p. 16)

 

...

 

Isso cria uma sensação tranquilizadora de que, embora as coisas mudem, de um modo mais amplo elas continuam iguais.

 

...

 

Exploremos os minúsculos começo e final do padrão tique-TAQUE, desta vez num exemplo mais literário: o familiar e tão recontado mito de Hércules. Versões primordiais da história são encontradas em vasos gregos decorados, datados de algum mo­mento do século VI a. C. Uma versão recente pode ser encontrada nos filmes do Homem de Ferro. O lendário homem forte do mito se depara com um gigante, Anteu, mais forte até mesmo do que ele, com o qual é obrigado a lutar. Hércules derruba o gigante no chão. Toda vez que Anteu entra em contato com a terra, porém, ele fica mais forte. Hércules vence, afinal, abraçando seu oponente e o erguendo no ar. Desenraizado, Anteu definha e morre. (p. 17)

 

...

 

Há outro elemento em relação ao mito. O mito sempre contém uma verdade, que entendemos antes de conseguir explicá­-la ou vê-la com clareza.

 

...

 

Que "verdade" podemos ver enterrada nesse mito? Ela reside nesse olho único. Você provavelmente já passou pela ex­periência de discutir com alguém que não consegue ou recusa-se a ver "os dois lados da questão” – alguém que simplesmente se agarra a um único ponto de vista. Não há jeito. Você nunca vai fazer a pessoa mudar de opinião. Tudo o que se pode fazer é descobrir alguém meio de escapar – e, de preferência, com menos violência do que o herói de Homero. (p. 18)

 

Você poderá estar pensando que tudo isso parece um tanto primitivo ("o pensamento dos selvagens", como alguns o depreciam). Mas o mito sempre contém em si a semente de uma verdade que é tão relevante para nós agora como era para o tempo no qual foi escrito. E o pensamento mítico sobrevive, até mesmo prospera, muito tempo depois do momento em que a ciência e a sociedade modernas já deveriam ter deixado suas explicações irremediavelmente para trás, como você poderia pensar. Ele está, se você olhar com atenção, entremeado no tecido da literatura contemporânea, mesmo que o olhar não o veja de imediato.

 

...

 

No período entre o oscarizado filme Titanic, de James Cameron, lançado em 1997, e o centenário do lançamento do grandioso transatlântico,

 

...

 

Por que razão as pessoas jamais esqueceram o naufrágio? A resposta pode muito bem estar no nome da embarcação: Titanic.

 

No mito antigo, os titãs eram uma tribo de deuses gigantes. Seus pais eram a terra e o céu, e eles foram a primeira raça a ter forma humana na Terra. Depois de um longo tempo desfrutando de sua posição como a espécie mais poderosa da Terra, os titãs se viram presos a uma guerra de dez anos com deuses de uma nova raça que haviam alcançado um estágio de evolução ainda mais elevado do que o deles. Embora os titãs fossem gigantes dotados de imensa força, isso era basicamente tudo que tinham: força bruta. Essa nova raça, os olimpianos, tinha muito mais: inteligência, beleza e perícia. Eles eram, em essência, mais semelhantes a humanos (como nós, poderíamos pensar) do que a forças da natureza.  

 

...

 

o Hyperion, de John Keats, escrito por volta de 1818.

 

...

 

é lei eterna

Que o primeiro em beleza seja o primeiro em poder.*

 

...

 

A embarcação da White Star Line que foi parar no fundo do oceano em abril de 1912 ganhou o nome de Titanic – acompa­nhado pela ritual garrafa de champanhe quebrada no casco da proa, em si um ato mítico chamado de “libação” – porque era uma das embarcações mais grandiosas, rápidas e poderosas já destinadas a cruzar o Atlântico. Era considerada "inafundável". Mas as pessoas que a batizaram devem ter sentido certa inquie­tação. Não seria uma provocação ao destino batizar um navio de Titanic, tendo em mente o que acontecera com os titãs?

 

...

 

Não sejam confiantes demais, parece ser a mensagem embutida naquilo que virou um mito para os nossos tempos. Os gregos nos deram um nome para essa confiança excessiva: húbris. (p. 20)

 

...

 

No próximo capítulo, consideraremos de que maneira o mito – o alicerce da literatura – evolui para o épico. (p. 21)

 

 

CAPÍTULO 3

 

Escrevendo por nações

 

ÉPICA

 

A palavra "épico" é usada hoje em dia para tudo, mas com bas­tante indefinição. (...) Ela descreve um conjunto de textos muito seleto, muito antigo, que carrega valores cujo tom é "heroico" ("heroi­co" sendo outra palavra que tendemos a usar com indefinição excessiva). Ela mostra o gênero humano, podemos dizer, em seu aspecto mais másculo. (O preconceito de gênero é, infelizmente, apropriado: uma "heroína épica" é quase sempre uma contra­dição em termos.)

Quando pensamos a sério sobre epopéias, somos defron­tados por uma pergunta intrigante. Se essa à uma literatura tão fantástica, por que hoje não a escrevemos mais? Por que não a escrevemos (com êxito, pelo menos) há vários séculos? A palavra ainda está conosco; a literatura, por algum motivo, não está. (p. 22)

 

...

 

Iraque (antes chamado de Mesopotâmia), o berço da civilização ocidental. Esse "crescente fértil" foi também a região onde o trigo foi cultivado pela primeira vez, possibilitando à humanidade o grande salto do modo de vida caçador-coletor para o agrícola.

 

...

 

A exemplo de outros poemas épicos, o texto sobrevivente de Gilgamesh é incompleto, dependente que era de tabuletas de argila, das quais nem todas resistiram à passagem de milhares de anos. Encontramos o herói pela primeira vez como rei de Uruk. Ele é meio deus, meio homem e construiu, para glorificar a si mesmo, uma cidade magnífica que ele tiraniza com brutalidade. É. um governante mau, despótico. Os deuses, para corrigir seu comportamento, criam um "homem selvagem", Enkidu, tão forte quanto Gilgamesh, mas de caráter mais nobre. Os dois lutam, e Gilgamesh vence. Então se tornam camaradas e embarcam juntos numa série de buscas, aventuras e provações.

 

...

 

Os temas dessa história vetusta – o desenvolvimento da civilização por meio do heroísmo e da domesticação do legado selvagem da nossa natureza humana – são comuns a todas as obras literárias que merecem o título de "épicas".

 

Historicamente, o épico evolui do mito. (p. 23)

 

...

 

Os monastérios eram instituições que arquivavam os primeiros escritos da nação e cultivavam o aprendizado e a alfabetização. Beowulf, como nos chegou o texto, posiciona-se num ponto de junção entre paganis­mo e cristianismo, entre selvageria e civilização, entre a literatura oral e a escrita. É complicado de ler, mas é importante saber o que ele significa historicamente.

 

...

 

As epopeias celebram, em narrativa heroica, certos ideais fundamentais. E marcam, mais especificamente, o "nascimento das nações". Retornemos a Beowulf e seus versos de abertura, primeiro no inglês antigo original e depois na tradução para o inglês moderno: (p. 24)

 

...

 

Os linguistas adoram a seguinte charada: "Pergunta: Qual é a diferença entre um dialeto e uma língua? Resposta: Uma língua é um dialeto com um exército por trás". Qual é, então, (p. 25)

 

...

 

Quando o romancista Saul Bellow, ganhador do Prêmio Nobel, lançou sua pergunta provocativa "Onde está o Tolstói zulu, onde está o Proust papua?", ele estava, em essência, salientando que só as grandes civilizações têm grande literatura. E só as maiores dessas grandes nações têm epopeias. Uma grande potência mundial está em seu âmago.

O que se segue é uma lista de algumas das epopeias mais famosas do mundo, e dos grandes impérios ou nações dos quais elas derivaram.

 

Gilgamesh (Mesopotâmia)

Odisseia (Grécia antiga)

Mahabharata (Índia)

Eneida (Roma antiga)

Beowulf (Inglaterra)

La Chanson de Roland (França)

El Cantar de Mio Cid (Espanha)

Nibelungenlied (Alemanha)

La Divina Commedia (Itália)

Os Lusíadas (Portugal) (p. 27)

 

...

 

Por tradição, o épico literário tem quatro elementos: ele é longo, heroico, nacionalista e – em sua forma mais pura forma literrária – poético. Panegíricos (extensos hinos de louvor) e elegias (canções de tristeza) são ingredientes fundamentais. (p. 28)

 

Tragédia

 

...

 

Por que ainda lemos e assistimos a dramas que foram escritos dois mil anos atrás, numa língua que poucos de nós entendem, para uma sociedade que poderia muito bem estar em outro planeta, tamanhas suas dessemelhanças em relação a nossa? A resposta é simples: nin­guém jamais fez tragédia melhor do que a fizeram, em seu tempo, Esquilo, Sófocles, Eurípides e outros dramaturgos gregos antigos.

O que de fato significam, porém, os termos "tragédia" e trágico"? (p. 30)

 

...

 

máscaras (chamadas de "personas")

 

...

 

Se você visitar o mais bem preservado tios teatros antigos, em Epidauro, um guia o sentará na mais longínqua fileira de assentos de pedra, irá para o centro da área de atuação e acenderá um fósforo. Você vai conseguir ouvir o som com facilidade. (p. 31)

 

...

 

O cocheiro o empurra para fora da estrada. Édipo agride o cocheiro, e o outro condutor, por sua vez, golpeia Édipo com força na cabeça. Segue-se uma luta furiosa, e um Édipo enraivecido mata o outro homem sem saber que ele é seu pai, Laio. É uma briga de trânsito, algo cometido no calor do momento. (p. 32)

 

...

 

mecânica da literatura: como ela funciona.

 

...

 

Isso é um disparate, claro. Aristóteles salienta que não é aquilo que é retratado na tragédia (a história) o que nos afeta e nos proporciona prazer estético, mas como é feito esse retrato (o enredo). O que nos diverte (e é bastante correto usar essa palavra) em Rei Lear não é a crueldade, mas a arte, a "representação" (Aristóteles a chama de "imitação", mímesis).

 

...

 

O que acontece na tragédia precisa acontecer. Mas enxergar, de fato, o que se esconde por trás do desenrolar do predestinado decurso dos acontecimentos é, normalmente, difícil demais de suportar para uma pessoa de carne e osso. Quan­do vê como se saíram as coisas, porque, como agora entende, elas precisavam se sair daquela maneira, Édipo efetiva outra das alegações do adivinho — de que ele é (metaforicamente) cego — literalmente se cegando. A humanidade não consegue suportar uma dose muito grande de realidade.

 

...

 

Ele chama o gatilho de hamartía, termo (p. 34) que costuma ser traduzido, de maneira desajeitada, como um “erro de avaliação”.

 

...

 

As emoções específicas que a tragédia provoca, diz ele, são “pena e medo”. Isto é, pena pelo sofrimento do herói trágico e medo porque, se aquilo acontece com o herói trágico, pode acontecer com qualquer um – até mesmo conosco.

O mais controverso dos argumentos de Aristóteles é a teoria da kátharsis. A "catarse” é mais bem entendida como uma “moderação das emoções”. Voltemos a nossa plateia saindo do teatro depois de assistir a uma tragédia como Rei Lear ou Édipo Rei, bem desempenhada. O estado de espírito será sóbrio, reflexivo — as pessoas estarão, em certo sentido, exauridas por aquilo que viram no palco. Mas também estranhamente elevadas, como se tivessem passado por algo semelhante a uma experiência religiosa.

Não precisamos tomar como evangelho crítico tudo o que Aristóteles diz ... (p. 35) [Osório diz: nem o que qualquer outro evangelho diz!].

 

...

 

Em segundo lugar, embora o arquivo do conhecimento humano tenha se expandido imensamente, a vida e a condição humana continuam sendo muito misteriosas para quem pensa. (p. 36)

 

CAPÍTULO 5

 

Contos ingleses

CHAUCER

 

...

 

Passou-se um longo tempo até que a Inglaterra ganhasse uma língua que unificasse a prática da escrita e a fala da população como um todo – e Chaucer assinala o ponto no qual podemos ver isso acontecendo, por volta do século XIV. (p. 37)

 

...

 

As Ilhas Britânicas foram conquistadas por Guilherme, duque da Normandia, em 1066. "O Conquistador", como ele é chamado, trouxe consigo o aparato daquilo que reconhecemos como o Estado Moderno. Os normandos continuaram a unificação das terras que haviam invadido, instaurando uma língua oficial, um sistema de direito comum, cunhagem, um sistema de classes, Parlamento, Londres como a capital e outras instituições, muitas das quais se mantiveram até o nosso tempo atual. [Osório diz: vem daí a eterna disputa entre franceses (colonizadores) e ingleses (colonizados)?]

 

...

 

Quem foi esse homem, então? Ele nasceu Geoffrey de Chaucer, seu nome de família derivado do francês chausseur, ou “sapateiro”. Ao longo dos séculos, a família ascendera bem acima do nível da sapataria e de suas origens normando-francesas. (p. 39)

 

...

 

à incerteza da "fortuna" [Osório diz: Maquiavel...]

 

Tendo retornado das guerras, casou-se e se acomodou. Sua esposa, Philippa, era de berço nobre e lhe trouxe dinheiro, bem como status. Sua vida privada é matéria de persistente debate. Da frequente sacanagem de seus escritos, entretanto, podemos deduzir que Geoffrey Chaucer não era puritano por natureza. O termo "chauceriano" se tornou proverbial para designar quem aproveita ao máximo a vida.

Sua carreira foi amparada, de início, por amigos da corte. Era por meio do patronato que alguém se dava bem naquele tempo. (p. 40)

Contos da Cantuária e Troilo e Créssida são dois poemas de suprema grandeza.

 

...

 

Isso destrói Troilo. Os assuntos do coração, insinua o poema, podem ofuscar até mesmo grandes guerras. Quantos poemas, peças e romances futuro podemos ver antecipados nesse enredo? (p. 41)

 

...

 

Prioresa, em Beleguim, [Osório diz: ? “Pai Osório de alguns”, como é conhecido o Google em Maraã, responde: personagem de "Os Contos de Cantuária", de Chaucer!]

 

...

 

membros da emergente classe burguesa. Ambos são ricos.

 

...

 

(o Erudito – alguém que ganha avida com suas habilidades de leitura e escrita).

 

...

 

sobre o destino (como esse conceito pagão pode ser combinado com cristianismo?) e sobre o amor (por acaso – como afirma o lema da Prioresa – ele "conquista tudo?"). (p. 43)

 

 

Capítulo 6

 

Teatro na rua

 

AS PEÇAS DE MISTÉRIO

 

Onde o teatro realmente com começa?

 

...

 

Aristóteles... Poética... escreve:

O imitar é congênito no homem (e nisso difere dos ou­tros viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador, e, por imitação, aprende as primeiras noções), e os homens se comprazem no imitado.* (p. 45) [Osório diz: daí a metáfora]

*Tadução de Eudoro de Sousa. Poética. Porto Alegre: Globo, 1966. (N.T.)

 

...

 

Com "imitação" (mímesis) ele quer dizer "representação". Quan­do um ator entra no palco no papel de, digamos Ricardo III, ele está fingindo ser esse personagem. Ele não é o rei cujo corpo foi exumado num estacionamento em Leicester em 2013. E esse fingimento, ou "imitação", está no cerne do drama. Assinala um dos aspectos mais estranhos da experiência teatral — para os que se encontram de ambos os lados da ribalta.

 

É claro que sabemos, se pensarmos nisso, que Ian McKel­len ou Al Pacino (ambos os quais interpretaram Ricardo III com enorme aclamação) são quem são enquanto são (a palavra "são" fica escorregadia nessa altura) o Ricardo III que estão "interpre­tando". Sabemos que o ator é McKellen ou Pacino, e ele também. Enquanto assistimos à peça, porém, por acaso somos nós, a plateia, "arrebatados"? Por acaso, como definiu numa frase maravilhosa o poeta, crítico e filósofo Samuel Taylor Coleridge, "suspendemos a descrença" — optamos por ser enganados? Deliberadamente "não sabemos" o que sabemos? Ou permanecemos cientes do fato de que estamos sentados num cinema ou teatro, com outras pessoas, olhando para alguém que, com maquiagem no rosto, recita palavras escritas por outra pessoa? Depende da peça que você está vendo. Mas o ponto a ser assinalado é que a nossa experiência do drama também exige certas habilidades de nós, a plateia, quanto a como responder, apreciar e julgar o desempenho. Quanto mais você vai ao teatro, tanto melhor fica essa sua capacidade. [Osório diz: isso tudo Górgias disse no século V antes da era atual. Será que o Coleridge o taquigrafou? E os créditos? Talvez se fosse de Platão a autoria!]. (p. 46)

 

...

 

Eram as guildas (as primeiras organizações sindicais) [Osório diz: Marx falará bastante sobre elas]

 

...

 

você não podia, por exemplo, trabalhar como construtor ("pedreiro") ou carpinteiro a menos que pertencesse à guilda certa e pagasse as suas "taxas". De modo que ficaram ricas e poderosas, mas mantinham um forte senso de dever cívico em relação às comunidades que as tinham tornado ricas e poderosas. [Osório diz: já o imposto sindical]. (p. 47)

 

 

Capítulo 7

 

O bardo

 

SHAKESPEARE

...

 

William Shakespeare (1564-1616) nasceu quando o reinado da rainha Elizabeth I estava por volta de seu sexto ano. A Inglaterra na qual ele cresceu ainda sentia os estertores do distúrbio deixado pelo reinado da monarca anterior, Maria I, apelidada de "Bloody Mary". Sob ela fora perigoso ser protestante, sob Elizabeth era perigoso ser católico. Shakespeare, como outros em sua família, andava com cuidado na corda bamba entre as duas fés (embora certas pessoas desejem defendê-lo como um católico secreto pela vida toda). Ele manteve o assunto da reli­gião rigorosamente fora de seu drama. Tratava-se, literalmente, de um tópico ardente – bastava dizer a coisa errada e você podia ser queimado na fogueira. [Osório diz: tudo mentira, pois até hoje não se identificou que foi o tal Shakespeare! Daí ser muito chato ouvir ou ler afirmações como esta, mesmo quando estamos gostando da obra!]

 

...

 

O pai de Shakespeare era um conselheiro municipal e fabricante de luvas moderadamente próspero em Stratford. Provavelmente, mais inclinado ao catolicismo do que o filho. A mãe de William, Mary, tinha berço mais nobre do que o marido. [Osório diz: vale o que dissemos acima sobre o filho desse casal] (p. 53)

 

...

 

o verso branco. O que é isso?

 

O verso não é rimado (por isso, "branco").

 

...

 

"solilóquio": isto é, alguém totalmente sozinho, conversando consigo. (p. 55)

 

...

 

É difícil, também, ficarmos inteiramente confortáveis com o "final feliz" de O mercador de Veneza, no qual o judeu, Shylock, vê sua filha fugir para se casar (com um amante gentio) e sua fortuna ser confiscada, sendo forçado a se converter – em face de perder tudo – ao cristianismo. Só uma poesia excelente, mesmo, poderia nos deixar contentes com resoluções "boas" como essas.

Shakespeare era fascinado pela República Romana – um estado sem reis ou rainhas. Essa questão em especial (dizendo respeito a seu interesse incessante pela monarquia) é ponderada – sem solução fácil – em Júlio César. A transformação de César em soberano parece ser provável: para proteger a república, por acaso Brutus ("o mais nobre romano de todos") tem o direito moral de assassiná-lo?

 

...

 

Outros candidatos foram sugeridos, com base no pouco que sabemos sobre a vida de Shakespeare. [Osório diz: pouco que é nada!] (p. 57) Nenhum dos “Shakespeares alternativos” entretanto, é plausível. O ônus da prova ainda favorece o filho do fabricante de luvas de Stratford.

 

...

 

A grandeza delas também é tingida pela nuvem melancólica cada vez mais sombria que paira sobre a fase tardia de Shakespeare, possivel­mente o efeito de ter perdido seu único filho homem, Hamnet, em 1596 [Osório diz: tudo mentira, pois até hoje não se identificou quem foi Shakespeare, embora aqui se diga que tinha filho!]. Pegue, por exemplo, o solilóquio final de Macbeth, quando ele se dá conta de que enfrenta sua batalha final:

 

A vida não passa de uma sombra que caminha, um pobre ator que se pavoneia e se aflige sobre o palco – faz isso por uma hora e, depois, não se escuta mais sua voz. É uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria e vazia de significado.*

* Life's but a walking shadow, a poor player, / That struts and frets lis hour upon the stage, lAnd then is heard no more. It is a tale / Told by an idiot, full of souild and fury, / Signifying nothing. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Macbeth. Porto Alegre: L&PM, 2000. (N.T.) (p. 58)

 

 

CAPÍTULO 8

 

O livro dos livros

 

A BÍBLIA DO REI JAIME

 

...

 

(A palavra cânone, aliás, vem do catálogo da Igreja Católica Romana de obras “que deveriam ser lidas”. A Igreja também elaborou um catálogo mais estrito de livros que não devem ser lidos — o Index Librorum Prohibitorum.) (p. 60)

 

...

 

vernácula (ou seja, na língua do povo)

 

...

 

William Tyndale não chegou a ganhar um julgamento justo, e não teve nenhuma chance de argumentar em sua defesa. Carlos V simplesmente ordenou que o sujeito incômodo fosse executado. [Osório diz: daí a importância do devido processo legal estampado no Processo Penal. Nessa época até a odiosa tortura era uma evolução]. (p. 64)

 

 

CAPÍTULO 9

 

Mentes desacorrentadas

 

OS METAFÍSICOS

 

...

 

aqueles que a morte "acha" que mata ganham, na verdade, a vida e eterna. A morte, como diríamos, é uma perdedora, e sempre será. (p. 68) [Osório diz: não gosto nadica de nada deste consolo!]

 

...

 

Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme; se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um teu amigo, ou o teu próprio; a morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos [fúnebres] dobram; eles dobram por ti.* (Tradução de Paulo Vizioli. John Donne: o poeta do amor e da morte. São Paulo: J.C. Ismael, 1985. (N.T.) (p. 69)

 

... O artifício que mais valorizavam era o que eles chamavam de conceita ideia ousada ou "conceito" que ninguém jamais havia elaborado antes. [Osório diz: será?!] Como frequência, esses conceits beiravam a extravagância forçada. Um ótimo exemplo é o poema curto "A pulga", escrito, é de se supor, em sua juventude:

 

Repara nesta pulga e apreende bem

Quão pouco é o que me negas com desdém.

Ela sugou-me a mim e a ti depois,

Mesclando assim o sangue de nós dois.*

*Tradução de Augusto de Campos. Verso reverso controverso. São Paulo: Perspectiva, 1978. (N.T.) (p. 70)

 

[Osório diz: quando alguns sofistas escreveram sobre o sal, por exemplo, foram censurados! Escrever sobre “a pulga” “não tem censura nem nunca terá”?]

 

...

 

A pós a morte de Donne e a vitória dos puritanos sob Cromwell na Guerra Civil Inglesa (1642-1651), poemas que celebrassem o amor "libertino" (imoral) passaram a ser censurados e desestimulados com severidade. Isso incluía poemas como "A pulga", já que o jovem e a mulher claramente não são casados. O século XVIII que se seguiu – denominado como a “Era Augustana” da literatura por seu modismo de imitação dos refinados modelos clássicos (latinos e gregos) – desaprovou a irresponsabilidade intelectual da imaginação metafísica. Para eles, a indecência moral não importava. Era simplesmente, num sentido literário, algo desregrado demais. [Osório diz: o Brasil dos anos depois de 2013! A história se repetindo, agora “como farsa”!].

 

Johnson acreditava que a poesia devia seguir regras, e não escarnecer delas.

... Um poeta ou uma poetisa (p. 71) podia escrever sobre pulgas com o mesmo lirismo com que podia escrever sobre rouxinóis ou pombinhos. Eliot estimava a poesia metafisica por sua habilidade de unir alto e baixo. A vida toda está no verso deles; nada é excluído. Essa era uma lição que poetas como ele podiam levar consigo. (p. 72)

 

 

CAPÍTULO 10

 

Nações ascendem

 

MILTON E SPENSER

 

...

 

Isso era expressado pela literatura de duas maneiras: escrever sobre a Inglaterra e escreverem inglês, apropriando, quando necessário, as literárias de outras nações soberbamente grandiosas e suas literaturas. Dito de outra forma, o nacionalismo toma o centro do palco. (p. 75)

 

...

 

alegoria: dizer uma coisa em termos de outra coisa que é, aparentemente, bastante diversa. (p. 77)

 

...

 

como diz o poeta William Blake, de "tomar (p. 79) o partido do diabo sem sabê-lo". Milton não sabe direito de que lado está. Satã é um rebelde, e, em sua própria vida, o poeta era um rebelde também: arriscara sua vida fazendo oposição a Carlos I. Melhor "reinar no inferno do que ser no céu escravo", afirma Satã. No contexto, isso soa heroico. Além disso, era claro que Milton não tinha certeza se ele, pessoalmente, não teria comido uma "maçã do conhecimento", quaisquer que fossem as conse­quências, ou permanecido para todo o sempre num estado de "vazio", livre de culpa, inocente ignorância. (p. 80)

 

... A linguagem literária deveria ser mais próxima daquilo que o poeta romântico Words­worth chamou de "linguagem dos homens", não a linguagem dos pedantes e eruditos que pensam em latim e traduzem seus pensamentos ao inglês – como Milton, é de se suspeitar, fazia por vezes. [Osório diz: muito por aí ainda hoje, século XXI] (p. 81)

...

 

A grande literatura nunca simplifica as coisas – ela não dá quaisquer respostas fáceis para perguntas difíceis. O que ela faz é nos ajudar a ver o quão infinitamente as coisas não são nada simples para nós. [Osório diz: bom!] (p. 82)

 

 

CAPÍTULO 11

 

Quem é o "dono" da literatura?

 

IMPRESSÃO, EDIÇÃO E DIREITOS AUTORAIS

 

...

 

por copiar minha obra original sem minha permissão e fazê-la passar como dele (um delito conhecido como "plágio"). (p. 83)

 

o copyright sempre quis dizer apenas isto: "o direito de reproduzir".

 

...

 

O anfitrião, apontando para suas estantes vergadas [Osório diz: essa imagem enche meu coração de alegria e encanto!], exclama com orgulho: "Vejam os meus livros!". Um autor, examinando as estantes, afirma com júbilo: "Percebo que você tem um dos meus livros – gostou dele?". Um editor, também inspecionando os livros, comenta: "Fico muito contente de ver que você tem tantos dos nossos livros na estante". Todos estão certos, em diferentes sentidos: o anfitrião é dono dos objetos físicos; o editor, daquele formato em particular, e o autor, das palavras originais. E isso salienta a variedade de pessoas e processos envolvidos, hoje em dia, em fazer com que um livro seja escrito, publicado e vendido.

A vida deste pequeno livro começou quando assinei um contrato com a L&PM Editores no Brasil, concedendo-lhe o di­reito de publicar meu texto como livro. Quando meu original foi entregue de modo satisfatório, a editora pagou para que ele pas­sasse pelos processos de edição, design, diagramação, impressão, encadernação e armazenamento num depósito antes da venda. [Osório diz: as dificuldades de se fazer/produzir um livro!] (p. 84)

 

...

 

"códice", um livro com páginas cortadas e numeradas, como este que você está lendo. (Codex é um bloco de madeira em latim; o plural é codicis.) (p. 85)

 

...

 

lendo seu grande poema para uma plateia do alto de um lectern*, ou "estante de leitura". (O lectern sobrevive hoje nos salões de conferências das universida­des — originalmente, eles eram concebidos para facilitar a leitura em voz alta de um texto do qual só existia uma cópia. A palavra lecture [conferência] é derivada da palavra latina lector, um leitor.)

* "Atro". (N.T.)

 

...

 

Aldo Manuzio na Itália (inventor do tipo "itálico").

 

...

 

Na verdade, ela já vinha sendo praticada na China havia muito tempo [Osório diz: a impressão. Não esqueçam que os chineses parecem, como todos os seres humanos, mentir muito! Vejam seus produtos “duráveis descartáveis”!]. Mas os chineses tinham um enorme problema. A linguagem escrita chinesa era baseada em milhares de "caracteres” pictóricos. Cada um deles era inscrito num bloco do tamanho de um pequeno tijolo. O parágrafo curto que você está lendo agora exigiria sessenta deles, e teria o tamanho de uma pequena parede.

 

...

 

("fonético" significa que ele baseado em som, não em imagem) (p. 86)

 

...

 

é de setenta anos após a morte do criador. [Osório diz: os direitos autorais]

 

...

 

Outro elemento cauteloso da Lei da Rainha Ana foi decre­tar que "não há direito autoral nas ideias". Isso torna o estatuto muito diferente, por exemplo, da lei de patentes, que de fato protege ideias. Expliquemos assim: se eu escrever um romance policial no qual, na última página, revela-se que "o culpado é o mordomo", e depois você escrever um romance policial no qual – voilà! – há essa mesma revelação de última página, você tem toda a liberdade para fazê-lo. O que você não pode fazer é copiar a minha formulação de palavras. É a expressão, não os pensamentos por trás das palavras, que é protegida.

 

...

 

A lei de direitos autorais britânica foi sendo adotada no exterior, e outros países formaram suas próprias convenções. Isso levou algum tempo para acontecer. Os Estados Unidos só assinaram um tratado internacional de direitos autorais em 1891, o que significa que o país estava livre para pilhar as obras literárias britânicas e de outras nações. Ficou célebre a fúria de Dickens, que nunca perdoou os malditos piratas ianques. [Osório diz: hoje o mesmo Estados Unidos prega proteção do que eles entendem como sendo deles!] A história internacional continua no Capítulo 37. (p. 89)

 

...

 

Existe algo de maravilhosamente físico no velho meio. Você usa suas pernas para andar até a estante, seus braços para retirar o volume, seu polegar opositor e o dedo indicador para virar a página. É um envolvimento corporal que você não sente com um Kindle ou iPad. Meu palpite é que a "sensação" (o toque, e até o cheiro) do livro impresso continuará lhe dando um lugar duradouro — se não necessariamente o primeiro lugar — no mundo da literatura por um bom tempo ainda. [Osório diz: concordo plenamente!] (p. 90)

 

 

Capítulo 12

A casa de ficção

 

... (p. 91)

 

O Decameron de Giovanni Boccaccio (1313-1375)

... Dez jovens abastados e de boa educação – três homens e sete mulheres – se refugiam numa vila senhoril no campo por dez dias (daí o título – deca é "dez" em grego) até que a peste se extinga.

.... novella"uma coisinha nova" em italiano. Esses contos são narrados no calor do entardecer, sob as oliveiras, ao estrídulo suave das cigarras, com refrescos ao alcance da mão. [Osório diz: vai em Brasília na época apropriada e você verá o inferno que é o “estrídulo” das cigarras! Kkkk. Mas a pena do poeta encontra até a beleza da “flor do lodo”!] (p. 92)

 

...

 

Dom Quixote popularizou a variedade da ficção conhecida como “picaresca”: narrativas que perambulam por situações malucas. (p. 93)

 

...

 

Mesmo assim, há algo de tocante – até mesmo de admi­rável – nesse velho raquítico e iludido, atacando bravamente os moinhos de vento com seu pangaré e seu gordo e covarde "escudeiro". Como todas as melhores ficções, Dom Quixote nos deixa com uma opinião dividida. Tolo ou adorável idealista? Essa incerteza vem embrulhada na palavra que tiramos da história para uso geral: "quixotesco". [Osório diz: Nabukov e seu Lolita é bem cervantino, especialmente nas muitas conversas que trava com seu leitor!]

 

John Bunyan (1628-1688)

 

...

 

"herética" (i.e. não oficial). (p. 94)

 

...

 

Christian sabe o que precisa fazer. Sua esposa e seus filhos tentam impedi-lo, mas ele coloca os dedos nos ouvidos e segue correndo, deixando-os para trás. Por que essa atitude desalmada da parte dele? Porque todo mundo precisa se salvar, é um princípio funda­mental da doutrina puritana. Como explica o capítulo seguinte, o individualismo haveria de se tornar um elemento chave na forma do romance, e é por isso que tantos deles têm nomes como título: A história de Tom Jones, Emma, Silas Marner e assim por diante.

 

...

 

O último destes protorromances tem um interesse adiciona no fato de que foi escrito por uma mulher, gloriosamente chamada de Aphra Behn (1640-1689). [Osório diz: mulheres na protoliteratura dos romances] (p. 95)

 

...

 

Os tea­tros, as casas de má reputação e as tabernas voltaram a ser abertos, agora com tolerância e patrocínio da nobreza. [Osório diz: nobreza gera dinheiro] (p. 96)

 

...

 

começou a escrever peças para o teatro no início da década de 1670 — a primeira mulher a fazê-lo.  Mas seu livro ficcional Oroonoko ou o escravo real: uma história verdadeira, publicado em 1688, é avaliado corretamente como sua obra-prima. Aphra Behn está enterrada na Catedral de Westminster, sendo a primeira escritora a ter recebido essa honraria. Em seu túmulo, Virgínia Woolf instrui, "todas as mulheres juntas deveriam jogar flores... pois foi ela quem lhes deu o direito de falarem por si mesmas". [Osório diz: Apha Pachola. A única Apha que conheci, embora seja grafada como Afra!].

 

...

 

Mas é uma proeza extraordinária, qualificando sua autora como escritora pioneira de uma ficção que é quase, mas sem chegar a ser, um romance. (p. 97)

 

 

CAPÍTULO 13

Lorotas de viajantes

 

DEFOE, SWIFT E A ASCENSÃO DO ROMANCE

 

O capítulo anterior explorou as raízes do romance moderno. Agora, chegamos ao que pode ser chamado de primeiro fruto maduro da planta. Daniel Defoe (1660-1731), o autor de Robinson Crusoé, é o consensual ponto de partida do gênero na Inglaterra.

 

...

 

Um gatilho para tudo isso era necessário. Por que razão isso que nós (mas não eles) chamamos de novel, a "coisa nova", emerge nessa época em particular e nesse lugar em particular (Londres)? A resposta é que a ascensão do romance ocorreu na mesma época e no mesmo lugar em que ascendia o capitalismo. Por mais diferentes que as duas coisas pareçam ser, elas têm uma íntima conexão. (p. 98)

 

...

 

Você abria o seu próprio caminho na vida e, como Dick Whittington, podia chegar à cidade sem um e encontrar ruas pavimentadas com ouro. Ou não. No mundo medieval, nenhum camponês poderia ter a esperança de virar um cavaleiro. A mobilidade social é central ao capitalismo nesse complicado sistema das atividades humanas. O mais reles empregado da cidade podia ter a esperança de virar um capitão da indústria. Ou, como Dick, o prefeito da cidade de Londres.

 

A história de Robinson Crusoé (...) Entre os bens que negocia estão escravos,...

 

Numa de suas viagens comerciais a partir do Brasil, o navio mercante de Crusoé naufraga durante uma tempestade terrível. (p. 99) [Osório diz: vejam de onde vinha o navio inglês! Se vendia escravos e vinha do Brasil, podemos imaginar a história via literatura não especializada ou romanceada!]

 

...

 

muitos leitores de primeira hora caíram no logro [Osório diz: e nunca deixaremos de cair, especialmente os inteligentes!].

 

...

 

Com Robinson Crusoé, ficamos frente a frente, pela pri­meira vez, com a desabrochada convenção narrativa conhecida como "realismo" – significando não a coisa real, mas algo tão parecido com a coisa real que você precisa olhar duas vezes para perceber a diferença. No caso do romance de Defoe, a confusão entre ser "real" ou meramente "realista" foi agravada pelo fato de —que, quatro anos antes do surgimento do livro, um relato muito similar de um marinheiro isolado numa ilha tinha virado best­ seller (como virou o livro de Defoe). Defoe claramente o leu e fez uso dele. (p. 100)

 

...

 

e reconhecendo que se apossar dela seria um roubo, ele a leva mesmo assim [Osório diz: típica ação inglesa! Visitem o museu britânico!]. O incidente é revelador. Qual é a coisa mais importante? Dinheiro. O incidente é inserido ali para nos lembrar disso. (p. 101)

 

...

 

Depois de muitos anos, Crusoé adquire um companheiro, um nativo de uma ilha vizinha que por pouco escapou com vida de canibais. Crusoé o renomeia Sexta-feira (sendo esse o dia no qual o encontrou) e faz dele seu criado. Mais importante, Sexta­-feira é seu bem móvel — falando sem rodeios, seu escravo. Os impérios sempre precisam de escravos. [Osório diz: carvalho! Embora muitos escravos não cheguem a perceber isso!]

 

...

 

Se Virgínia Woolf pôde instruir as mulheres a jogar flores na sepultura de Aphra Behn, nós deveríamos jogar algumas moedas de libra e notas de dólar na sepultura de Daniel Defoe, o cronista do Homo economicus.

O romance não estava destinado a permanecer preso ao rígido realismo de Defoe. O gênero também podia "fantasiar" – mantendo uma estrutura externa realista e um conteúdo tão imaginário quanto o de qualquer conto de fadas. O grande pioneiro do "romance de fantasia", por assim dizer, é Jonathan Swift (1667-1745).

Swift, um irlandês, nasceu na chamada "ascendência" – a classe alta do país que era favorecida pelos patrões ingleses e ganhava privilégios negados à população irlandesa em geral. (p. 102)

 

... Swift

 

Mas nunca recebeu os grandes favores que esperava da corte e do governo ingleses. Isso aguçou sua raiva ao nível da selvageria. Ele se sentia, segundo disse, "como um rato num buraco".

 

Swift abominava o progresso.

 

Gulliver viaja para Laputa ("a puta" em espanhol), que é uma utopia científica. (p. 103)

 

 

CAPÍTULO 14

 

Como ler

 

DR. JOHNSON

 

"Doutor", literalmente, quer dizer alguém que tem conhecimento. (p. 105)

 

...

 

Foi no século XVIII que as grandes instituições inglesas (Parlamento, a monarquia, as universidades, os negócios, a imprensa) assumiram sua forma moderna.

 

...

 

Suas feições pareciam cravadas em seu prato; tampouco dizia ele, a não ser quando em companhia importantíssima, uma palavra que fosse, ou sequer concedia um mínimo de atenção ao que era dito por outros, até satisfazer seu apetite, o qual era violento e saciado com tamanha intensidade que, no ato de comer, as veias de sua testa inchavam, e geralmente uma forte transpiração se fazia visível. [Osório diz: eu!] (p. 106)

 

...

 

Com nove anos de idade, sentado na cozinha do porão de casa, pegou um volume de Hamlet das estantes de seu pai. As palavras na página lhe incutiram uma visão alucinatória de Elsinore e fantasmas. Ele ficou aterrorizado. Jogou o livro para longe e saiu de casa às pressas, pela rua, “de modo que pudesse ver pessoas ao redor”.

 

...

 

Tratou de se estabelecer no mundo literário, comumente conhecido como "Grub Street" em função de uma rua de Moorfields, distrito pobre de Londres, habitada por “vermes” trambiqueiros que ganhavam a vida com a pena. (p. 107)

 

...

 

As opiniões de Johnson sobre a condição humana foram sempre profundamente pessimistas. Era uma situação, ele acreditava, "na qual há muito para supor­tar e pouco para desfrutar".

 

...

 

Uma é "ordem" e outra, "bom senso". Seu bom senso é lendário. É retratado com vividez numa conversa que teve com Boswell, durante uma caminhada, so­bre a visão então em voga (colocada em circulação pelo pensamento filosófico do bispo, Berkeley) de que a matéria não existe e tudo no universo é "meramente ideal". Imaginário. Boswell observou que, logicamente, a teoria não podia ser refutada. Johnson respondeu chutando com violência uma grande pedra que havia no caminho e exclamando, com igual violência: "Eu a refuto assim!".

 

...

 

tinha enorme respeito pelas mentes jovens. (p. 108)

 

...

 

“Patrocinador. Comumente, um patife que apoia com insolência e é pago com bajulação”). (p. 109)

 

...

 

Em Hamlet, enquanto a afogada Ofélia está sendo enterrada, Gertrudes joga algo dentro da sepultura aberta com o comentá­rio "Doces à doce. Adeus!".* Mas o que é que ela está jogando? Chocolates? Biscoitos? Torrões de açúcar? Não, flores frescas. Para os elisabetanos, o adjetivo "doce" indicava em primeiro lugar o que a pessoa podia cheirar com o nariz, não o que a pessoa podia provar com a língua, que é como o usamos em geral agora. Esse uso anterior é o tipo de coisa, entre outras, que Johnson registra. O aspecto mais importante que Johnson salienta no Dicionário é que a língua – em particular, a língua usada pelos escritores – não pode ser eternizada em pedra. Ela é uma coisa viva, orgânica, em constante mutação. (p. 110)

 

...

 

Ele reverenciava Shakespeare e editou as peças (a edição é uma das mais úteis que um crítico literário pode fazer). Johnson acreditava que Shakespeare era um gênio. Foi a admiração de Johnson, expressada o tempo todo em suas edições e comentários a respeito de Shakespeare, que estabeleceu a este como o maior entre os escritores da nação. Mas Johnson também acreditava que ao autor de Hamlet faltavam, com frequência, sofisticação e requinte – que por vezes ele se mostrava "inculto", até mesmo um primitivo. Faltava-lhe algo que Johnson e seus contemporâneos valorizavam acima de todas as coisas: "decoro". A obra de Shakespeare seria o resultado da era grosseira na qual ele viveu. Quase todos nós discordaríamos disso com veemência. [Osório diz: Sobre Shakespeare] (p. 111)

 

 

CAPÍTULO 15

 

REVOLUCIONÁRIOS ROMÃNTICOS

 

Revolucionários românticos

 

...

 

escrevinhação... [Osório diz: curiosidade!] (p. 112)

 

...

 

Em sua definição mais simples, "romântica" é simplesmente uma datação conveniente para a literatura escrita, grosso modo, entre 1789 e 1832. É comum, por exemplo, encontrar Jane Austen agrupada com outros escritores do Período Romântico apesar do fato de que, levando em conta o que ela escreveu, a autora de Orgulho e preconceito está num planeta literário diferente do de, digamos, Shelley, que abandonou uma esposa grávida (ela depois cometeu suicídio) para fugir com a Mary Shelley de dezesseis anos de idade que iria, alguns anos depois, escrever Frankenstein.

 

Por que pegar 1789 como ponto de partida? Porque o Romantismo coincidiu com um acontecimento histórico mundial: (p. 113) a Revolução Francesa. O Romantismo foi o primeiro movimento literário a ter, em seu âmago, uma "ideologia" — o conjunto das crenças pelas quais pessoas e povos vivem suas vidas. Sempre havia existido uma literatura que era política: os poemas de John Dryden sobre "assuntos de Estado", por exemplo, ou Jonathan Swift atacando os liberais nas Viagens de Gulliver. Coriolano, de Shakespeare, pode ser lido como uma peça política. A política diz respeito à administração do Estado (origina-se na palavra "cidade" em grego antigo). A ideologia pretende mudar o mundo. O Romantismo tem esse impulso na sua essência.

O que "ideológico" quer dizer, em oposição a "político", pode ser demonstrado nitidamente pelas mortes em guerra de dois grandes poetas, Sir Philip Sidney e Lord Byron. Sidney morreu em 1586, de ferimentos sofridos no combate contra os espanhóis na Holanda. Moribundo, ele teria celebremente passado um cantil de água que lhe ofereciam para outro homem ferido com as palavras "Tua necessidade é maior do que a minha". (p. 114)

 

...

Simplificando, o sacrifício de Sidney teve motivação patriótica, o sacrifício de Byron teve motivação ideológica. Quando lemos Byron e outros românticos, precisamos sintonizar as posições ideológicas (a "causa") que eles adotam, advogam, sondam, combatem ou questionam. No linguajar atual, de onde é que saiu a obra deles? (p. 115)

 

...

 

Os versos contidos foram chamados de "baladas" em homenagem aos poemas que são transmitidos oralmente por comunidades, não por escritores individuais. A balada tradicional representa uma espécie de união literária – embora Wordsworth preferisse usar a palavra "radicalismo" (no sentido literal de voltar às raízes), ou, com certa relutância, o lema francês "fraternidade". (p. 116)

 

...

 

Wordsworth adorava, segundo afirmou, ser “surpreendido pela alegria”

 

...

 

emoção que se opõe à alegria – a “melancolia”... (p. 117)

 

 

CAPÍTULO 16

 

A mente mais afiada

 

JANE AUSTEN

 

Demoramos um longo tempo para constatar que Jane Austen (1775-1817) está entre os maiores nomes do romance de língua inglesa. Uma das razões pelas quais podemos negligenciá-la é o fato de que o mundo de sua ficção é (não há outra palavra) pequeno. E, ao olhar superficial, a grande pergunta colocada em cada um de seus seis romances - "Com quem a heroína vai se casar?" ... (p. 120)

 

...

 

sobre a vida de Jane Austen. O que podemos supor com segurança é que houve pouco, nela, em matéria de drama. (p. 121)

 

...

 

Austen viajou raras vezes em sua vida. Tampouco suas heroínas viajam muito. A família passou algum tempo em Bath, a cidade-spa e mercado casamenteiro da Regência, um lugar do qual Austen parece não ter gostado. Ela visitou Londres, mas nunca morou lá, e a capital figura pouco em sua escrita; geralmente, como em Razão e sentimento, é um lugar do qual é bom estar longe. Os "condados domésticos" — principalmente Hampshire — eram seu habitat. É bizarro ficar sabendo que ela nutria uma forte lealdade pelo time de críquete local, o "Cava­lheiros de Hampshire".

 

...

 

Nunca chegou a se casar,...

 

...

 

Uma esposa e mãe teria tido menos tempo para produzir os seis romances que garantiram sua reputação. Ela morreu numa das situações mais lastimadas por sua ficção: uma velha solteirona. (p. 122)

 

...

 

A heroína de Austen tem, invariavelmente, tanto um pretendente adequado quanto um pretendente inadequado.

 

...

 

Celebremente, Jane Austen nunca vai além do que uma “dama” deveria saber com decência. (...).

Há muitos homens em seus romances, mas ela nunca retrata integrantes do sexo masculino conversando entre si sem a presença de uma dama que os ouça. (...)

Da mesma forma, não há personagens da classe trabalhadora no primeiro plano de seus romances. A fidalguia decente é o nível mais baixo da escala social ao qual chegamos no mundo de Jane Austen. Aparecem criados por todos os cantos, claro. Alguns de seus nomes (James, o cocheiro de Emma, por exemplo) nós conhecemos. Mas a vida no andar de baixo é outro mundo não visitado na ficção de Austen.

 

...

 

O único meio pelo qual Jane pode se sustentar é virar uma preceptora — mal ganhando o suficiente para sobreviver e suportando a humilhante posição domiciliar de "criada superior". Ela descreve a busca por tais empregos como estar à venda num leilão de escravos.

 

...

 

Se o próprio Horatio Nelson* aparecesse num romance de Austen, suspeitaríamos de que o único interesse do romance por ele seria verificar se o homem era o "Sr. Perfeito" para a heroína.

*Oficial da marinha britânica e herói nacional, famoso por seu desempenho nas Guerras Napoleônicas. (N.E.)

 

...

 

Uma grande propriedade como Mansfield Park se sustenta, financeiramente, por suas plantações de açúcar nas índias Oci­dentais, movidas a trabalho escravo. O fato é aludido — mas não examinado ou exposto com alguma demora. Tampouco — nem pensar uma coisa dessas — o leitor ganha qualquer vislumbre do que se passa nessas plantações das índias Ocidentais. As opiniões políticas e religiosas de Austen são as mesmas de sua classe, embora pareçam ter se endurecido um pouco nos últimos romances. Ela era uma anglicana devota, e clérigos figuram com proeminência em sua ficção. Em nenhum momento, contudo, seus romances nos levam para dentro de uma igreja ou se aventu­ram por questões teológicas. Isso era reservado para os domingos, não para a ficção. (p. 124)

 

...

 

Seus romances nunca questionam a posição dos homens como integrantes do sexo superior.

 

...

 

Os pontos de vista de Austen sobre literatura eram tão conservadores quanto suas crenças sociais. Embora coincidisse, historicamente, com o movimento romântico — e seja classificada com frequência como romântica —, ela pertencia a uma era anterior, mais estável, cujos valores seus romances endossam coletivamente.

...

 

O que há nos romances, então, que os torna tão soberbamente bons? Duas coisas. A primeira é a maestria técnica da forma de seu romance, em particular o uso da ironia. A segunda é sua seriedade moral — sua capacidade de articular, em todos os detalhes, como uma pessoa deveria viver a vida. Também poderíamos citar sua espirituosidade, sua observação tolerante das fraquezas humanas e sua compaixão.

 

...

 

magistrais em sua tessitura (p. 125) do suspense. (p. 126)

 

...

 

O que os romances de Austen nos dizem é que, para viver do jeito mais apropriado, você precisa, primeiro viver. A vida é uma educação para a vida.

 

...

 

A ficção de Austen demonstra, soberbamente bem, que uma obra literária não precisa ser ampla para ser grande. (p. 127)

 

 

CAPÍTULO 17

 

Livros para você ler

 

O PÚBLICO LEITOR EM TRANSFORMAÇÃO

 

...

 

Em um lugar – geralmente, num canto pouco frequentado – haverá uma seção dedicada à Poesia.

 

...

A poesia sempre foi a irmã pobre dá literatura. "Ouvintes aptos, ainda que poucos" foi como Milton descreveu seu público leitor. (...) mesmo no século XVII. [Osório diz: faz tempo, então!] (p. 131)

 

...

 

Na década de 1950, no Reino Unido, todos os conselhos municipais eram obrigados, por lei, a suprir de livros a população local por meio de uma rede abrangente de bibliotecas públicas. Era de graça.

 

...

 

Se hoje o público leitor dispõe de bem mais opções para escolha, e consegue bem mais o que deseja, isso é uma coisa boa? Nem todos pensam assim. Alguns alegaram que “mais é pior”. E há quem – como eu — pense que da quantidade vem a qualidade. Quanto mais amplo for o público leitor, tanto mais saudável será. E quanto maior for o bolo, mais abundantes serão as cerejas nele. (p. 133)

 

 

CAPÍTULO 18.

 

O gigante

 

DICKENS

 

Poucas pessoas discordariam da ideia de que Charles Dickens (1812-1870) é o melhor romancista britânico que já levou a pena ao papel. "Não precisa nem pensar", poderíamos dizer. "O Inimitável", como ele mesmo se apelidou (até ele se achava incomparavelmente soberbo), teria lançado um olhar raivoso diante da impertinência de alguém que cogitasse – ou, ainda pior, fizesse – tal pergunta.

 

...

 

Mas o que justifica precisamente, nos romances de Dickens, o louvor supremo e universal que ele recebe? (p. 134)

 

...

 

Gostamos de pensar que somos feitos de matéria mais dura

 

...

 

Dickens é o maior romancista de todos os tempos.

 

...

 

As aventuras do sr. Pickwick. (p. 135)

 

...

 

Oliver Twist. (1837- 1838). É uma obra sombria, raivosa e politicamente engajada, bem diferente das aventuras cômicas do sr. Samuel Pickwick. Sua raiva é direcionada tanto ao governo britânico quanto ao público leitor britânico.

 

...

 

A casa soturna.

 

...

 

David Copperfield.

 

...

 

Grandes esperanças (1860-1861).

 

...

 

Little Dorrit (1855­-1857).

 

...

 

The Old Curiosity Shop. (p. 136)

 

... Our Mutual Friend* (1864-1865).

* "Nosso amigo em comum". (N.T.)

 

O rio batiza Londres com sua maré montante, e leva embora a imundície da cidade (insinuando seu pecado) com a maré vazante.

 

...

Um segundo motivo para a grandeza de Dickens é que ele foi o primeiro romancista não apenas a botar crianças como heróis e heroínas de sua ficção (como em Oliver Twist), mas também a fazer com que seu leitor avaliasse o quanto a criança é vulnerável e facilmente machucada, e como a visão de mundo aos olhos da criança difere da visão do adulto.

 

...

 

Enquanto seu pai definhava atrás das grades, o menino foi colocado para trabalhar colando rótulos em potes de graxa de sapato numa fábrica infestada por ratos junto ao Tâmisa, ganhando apenas seis xelins por sema­na. Foi algo brutal, mas, acima de tudo, o que o fustigou foi a vergonha. As feridas nunca cicatrizaram. (p. 137)

 

...

 

Por trás da preocupação central de Dickens com as crianças existe a crença de que elas não são meros adultos pequenos, mas têm algo que todos os adultos deveriam aspirar a reaver. Dickens (que escreveu uma Vida de Cristo para seus próprios filhos) acreditava com fervor na máxima de Jesus: "Se não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus".

 

...

 

Nenhum romancista foi mais sensível ao seu próprio tempo do que Dickens.

 

...

 

Treze dos catorze principais romances de Dickens são:

 

Tempos difíceis (1854)

 

Dombey & Filho (1848)

 

... Ele foi o primei­ro romancista a perceber que a própria ficção podia transformar (p. 138) o mundo. Podia esclarecer, podia expor, podia defender. Um exemplo bastante surpreendente do Dickens reformista pode ser encontrado no prefácio a Martin Chuzzlewit, no qual ele afirma que, em toda a sua ficção, tentou demonstrar a necessidade de "melhorar o saneamento básico".

 

A casa soturna.

 

...

 

Não é exagero dizer que Dickens, embora nunca tenha enfiado uma pá no solo de Londres, ou levantado uma laje, ou soldado um cano de metal, colaborou com a grande reforma sanitária (p. 139) vitoriana. [Osório diz: eu e Maraã]

 

...

 

Por último, e muitíssimo importante, uma das coisas que dão apelo duradouro aos romances de Dickens é a honesta crença do autor na bondade essencial das pessoas.

 

Um conto de Natal (1843).

 

... a meta de todos os seus escritos, tanto sua ficção quanto seu jornalismo, era tocar ou, pelo menos, “suavizar” corações. Mais do que a maioria dos escritores, ele consegue. Mesmo hoje.

Charles Dickens teria sido o primeiro a admitir que não era, em todos os aspectos, um homem perfeito. Embora quase todos os seus romances terminem com um casamento feliz, ele, pessoalmente, não era o melhor dos maridos ou pais. Casado há vinte anos, quando sua esposa já lhe dera dez filhos, livrou-se dela e ficou com uma mulher vinte anos mais nova do que ele, mais do seu agrado. Até pelos padrões vitorianos, Dickens era um ho­mem vez por outra desatinado em suas opiniões sociais, atitudes e preconceitos. Mas esse desatino é mais do que compensado por suas crenças totalmente admiráveis no progresso e na capacidade (p. 140) da raça humana de criar um mundo melhor – se os "corações" estiverem comprometidos. Nosso mundo é o que é, um lugar melhor do que foi, graças, em parte, a Charles Dickens. Essa, em última instância, é a razão da grandeza de seus romances. "Isso mesmo", como diria o Inimitável (provavelmente com irritação, se você ousasse pensar de outra forma.) (p. 141).

 

 

CAPÍTULO 19

 

Vida na literatura

 

As BRONTÊ

 

...

 

"consunção" (como a tuberculose era chamada na época).

 

...

 

Havorth – a residência paroquial, a igreja e o cemitério adjacente – forma o clima e o pequeno mundo da ficção das ir­mãs. (p. 143)

 

...

 

O motivo mais plausível é que ela não conhecia Liverpool e não queria levar sua história para um lugar que não conhecia.

...

 

Esses "buracos no enredo", como eu os chamei, podem ser vistos como toques artísticos, deixados ali deliberadamente como recursos do projeto do romance. Mas também atestam o fato de que a autora era uma mulher provinciana, pouco mundana, que simplesmente não tinha nenhuma experiência com os lugares e as situações das quais um garoto ignorante do campo, como o fugitivo Heathcliff, poderia voltar tão estranhamente mudado.

 

...

 

"dipsomania", como era chamado então o alcoolismo. (p. 144) [Osório diz: que nome lindo, só de lê-lo já dá até vontade de beber! Kkkk].

 

...

 

Por volta de 1826, as três jovens irmãs, junto com Branwell, [Osório diz: irmão delas] (p. 145)

 

...

 

narração em primeira pessoa (o narrador-personagem).

 

...

 

Decidiram que iriam escrever. Com os lucros que seus livros obtivessem as irmãs montariam, um dia, uma escola. Para invadir o mundo da autoria, dominado como era por homens tanto entre os autores quanto entre os editores, adotaram pseu­dônimos masculinos (Currer, Ellis e Acton Bell). (p. 147)

 

 

CAPÍTULO 20

 

Embaixo das cobertas

 

LITERATURA E CRIANÇAS

 

...

 

a infância é o período da vida que nos "faz". (p. 149)

 

...

 

Charles Dickens. Em seu segundo romance, Oliver Twist (escrito em seus vinte e poucos anos, em 1837-1838), ele ataca uma nova legislação, introduzida pouco antes, que tornava mais doloroso aos pobres depender de auxílio público – de modo a motivar os membros "ociosos" da sociedade a encontrar uma ocupação útil e sair da folha de pagamentos municipal. É uma das oscilações recorrentes do pensamento político quanto ao "Estado assistencialista".

Como Dickens enquadra, porém, essa crítica à Grã-Bre­tanha cruel? Seguindo o "progresso" de uma pequena criança que passa de órfão a "menino do asilo de pobres", a limpador de chaminés menor de idade e – por fim – a aprendiz de criminoso. (p. 150) Vocês querem saber por que sua sociedade é como é? Vejam como tratam suas crianças. "Galho que nasce torto nunca se endireita", como teriam dito na época. Dickens acreditava que seu próprio caráter como homem e artista tinha sido formado por aquilo que lhe acontecera antes dos treze anos de idade e instruiu seu biógrafo a deixar isso claro.

 

...

 

Até aqui, cobrimos livros escritos por adultos, para adul­tos, sobre crianças. Existe, contudo, uma categoria de livros que funcionam igualmente bem para leitores infantis e leitores mais velhos, mesmo que não tenham sido inicialmente destinados a estes últimos.

 

...

 

O Senhor dos Anéis (1954-1955), de J.R.R.Tolkien.

 

...

 

"criança" é uma definição muito ampla. (p. 151)

 

...

 

Investigar a fundo o que "literatura infantil" quer dizer levanta algumas questões fascinantes. Vejamos três delas. A primeira é: como nós, na infância, conseguimos as habilidades básicas das quais precisamos para "absorver" a literatura? Não nascemos le­trados. Normalmente, nossa primeira experiência com a literatura ocorre através do ouvido, com (uns) dois anos de idade, pelas histórias antes de dormir e canções de ninar: João e o pé de feijão e "Three Blind Mice" [Três camundongos cegos], por exemplo. As ilustrações atraem a atenção da criança à página. As historinhas e cantigas vão ficando mais complexas, e a ilustração, menos central, com o passar dos meses. Roald Dahl vira o autor favorito da hora de dormir. O Dr. Seuss [Osório diz: quem é?] toma o lugar das canções de ninar.

 

...

 

outro aspecto da literatura infantil que a torna distinta da espécie adulta. Livros custam caro, e as crianças têm pouco dinheiro para gastar.

 

 

CAPITULO 21

 

Flores da decadência

 

WILDE, BAUDELAIRE, PROUST E WHITMAN

 

Pelo fim do século XIX, uma nova imagem do escritor começou a ocupar o centro do palco na Grã-Bretanha e na França: "o autor como dândi". De súbito, escritores já não eram apenas escritores, mas “celebridades”. O modo como se vestiam e seu comportamento eram estudados com atenção e imitados, e seus bon mots [comentários espirituosos], reciclados. Suas figuras eram tão admiradas quanto seus escritos. Os autores, de sua parte, estimulavam a própria celebridade. Como Wilde gracejou em seu romance O retrato de Dorian Gray, "só há uma coisa no mundo pior do que falarem de você: é não falarem de você".

 

...

 

 

epítome [Osório diz: resumo, símbolo]

 

...

 

Os feitos literários de Wilde (...) Ele tem para seu crédito uma obra-prima inquestionável, a peça A importância de ser prudente (1895).

 

...

 

um “jovem dourado” eternamente, ao passo que um retrato dele no sótão (seu eu cinza [grey]) murcha e se degenera. Outros dele trataram melhor o tema, mas nenhum de forma tão provocadora quanto Wilde. (p. 156)

 

...

 

Wilde: "Tudo que desejo assinalar é o princípio geral de que a Vida imita a Arte muito mais do que a Arte imita a Vida".

 

Até a religião era secundária em relação à arte: "Eu incluiria Jesus Cristo entre os poetas", Wilde afirmou — um comentário sem muita chance de agradar a cristãos puritanos. Em outro momento, e de modo ainda mais provocador, Wilde proclamou que "a revelação final é que Mentir, o ato de contar belas coisas inverídicas, é o objetivo adequado da Arte" — um comentário sem muita chance de agradar a advogados. Nessas declarações ousadas, Wilde chegou perto da teoria filosófica que depois seria chamada de "fenomenologia" — uma doutrina mais simples do que poderíamos imaginar pelo nome. É através das formas da arte, a fenomenologia sugere, que moldamos e compreendemos o mundo desprovido de forma ao nosso redor. [Osório diz: magistral definição] Na frivolidade de Wilde, há sempre um núcleo daquilo que Matthew Arnold (um poeta que ele admirava muitíssimo) chamava de "alta seriedade". Ele bancava o dândi, mas, nunca o tolo.

 

...

 

Acima de tudo, Wilde se lançou no mundo da publicidade, das páginas de fofocas, dos jornais e da fotografia. Sua imagem era tão famosa, em seu tempo, quanto a da rainha Vitória. (Ela não era, é de se suspeitar, uma de suas admiradoras — Alfred, Lord Tennyson era mais do gosto da monarca.) O "antinatural" cravo verde na lapela, as jaquetas de veludo efeminadas, o cabelo esvoaçante, os cosméticos, tudo isso era justificado por Wilde como neo-helenismo — a era da Atenas antiga e do amor platônico que ele e Pater reverenciavam. Ele era a encarnação de Narciso (p. 157) e da "juventude dourada", e se tornou, avançando em anos, o patrono da juventude dourada.

 

...

 

 

Wilde caiu como Lúcifer. Foi acusado pelo pai de seu jovem amante, Lord Alfred Douglas, de ser um "sodomita". Wilde abriu um processo por calúnia, que perdeu, e foi imediatamen­te a julgamento por "ofensas contra a decência pública". Foi considerado culpado e aprisionado para dois anos de trabalhos forçados, tornando-se o prisioneiro C.3.3.

 

...

 

Apesar disso – escutem bem – todos os homens

Matam a coisa amada;

Com galanteio alguns o fazem, enquanto outros

Com face amargurada;

Os covardes o fazem com um beijo,

Os bravos, com a espada!* [Osório diz: bom!]

Tradução de Paulo Vizioli. A balada do cárcere de Reading. São Paulo: Nova Alexandria, 1997. (N.T.) (p. 159)

 

...

 

**Tradução de Petrucia Finkler. A importância de ser prudente. Porto Alegre: L&PM, 2014. (N.T.) (p. 158) [Osório diz: comprar. Acho até que já comprei!]

 

...

 

"Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas existe, nada mais". Oscar Wilde... (p. 159)

 

...

 

Marcel Proust (1871-1922), em seu enorme romance autobio­gráfico Em busca do tempo perdido (1913-1927). Proust parte da visão de que a vida é vivida para a frente, mas entendida para trás; depois de certo ponto em nossas vidas, o que ficou para trás é mais interessante do que aquilo que está à frente. [Osório diz: meus escritos sobre Maraã! Só temos passado?] (p. 161)

 

 

CAPÍTULO 22

 

Poetas laureados

 

TENNYSON

 

O poeta. Que imagens essa pequena palavra evoca? Como acontece comigo, talvez apareça na sua imaginação um homem com olhos chamejantes, uma expressão longínqua, cabelo esvoaçante, trajando vestes folgadas. Ou uma mulher, de pé numa rocha ou em outro lugar elevado, contemplando a distância. O ar tem nuvens, mar, vento e tempestade. Ambas as figuras estão sozinhas. “Solitárias”, como define Wordsworth, “como uma nuvem.”

Pode haver uma aura de loucura - os romanos chamavam isso de furor poeticus. Muitos dos nossos grandes poetas (John Clare e Ezra Pound, para pegar dois dos absolutamente maiores), com efeito, passaram períodos de suas vidas em instituições psiquiátricas. Vários escritores contemporâneos passam mais tempo no divã do psicanalista do que no escritório do agente literário. (p. 163)

 

...

 

Essa, no entender de Wilson, é a imagem do poeta – alguém necessário, mas com quem é impossível conviver.

 

...

Ninguém espera ficar pobre com tanta confiança quanto a pessoa que faz versos ...

 

...

 

o lendário tordo,

 

...

 

A poesia antecede em muito qualquer literatura escrita ou impressa. Todas as sociedades que conhecemos - histórica e geograficamente - têm seus poetas. Seja lá como for que o chamemos - bardo, escaldo, menestrel, cantor, rimador -, o poeta (p. 164) sempre teve a mesma relação difícil de “forasteiro/integrante” com a sociedade.

 

Na sociedade feudal, os nobres gostavam de ter seus menestréis particulares (junto com seus bobos da corte) para entretenimento deles e de seus convidados. Sir Walter Scott escreveu seu melhor poema, A balada do último menestrel (1805).

 

...

 

O termo “laureado” remonta à Grécia e à Roma antigas, e significa “coroado com folhas de louro”. O laureado (sempre um homem) ganhava sua coroa de folhas travando combates verbais, como um gladiador, com outros poetas. (Os rappers, bardos dos nossos dias, ainda disputam essas batalhas em estilo livre.)

...

Um que ocupou o cargo, por exemplo, foi Henry Pye (laureado entre 1790 e 1813). O estudo da literatura é minha profissão há tantos anos que nem me preocupo mais em contá-los, mas não consigo trazer à memória um único verso de Henry James Pye. Não me envergonho.

 

...

Quando Robert Southey (laureado entre 1813 e 1843) escreveu um poema sobre o recém-falecido rei Jorge III sendo saudado no céu por um São Pedro bajulador, chamado Uma visão do julgamento (1821), Byron o demoliu com A visão do julgamento (você vê a - ligeiríssima - diferença?), encarado como uma das maiores sátiras do idioma. Quando o escreveu, Byron estava exilado na Itália, tendo sido escorraçado da Inglaterra por (p. 165) suposta imoralidade. Qual dos dois poetas é lembrado hoje? O integrante ou o forasteiro? Sir Walter Scott (ver Capítulo 15) declinou da honra da laureação (em favor de Southey) porque, segundo afirmou, o cargo grudaria em seus dedos como uma fita adesiva, impedindo-o de escrever com liberdade. Scott queria sua liberdade poética.

O poeta que teve êxito no cargo e no papel do “poeta institucional” - o poeta totalmente dentro da baleia de Orwell mas apesar disso escreveu grande poesia, foi Alfred Tennyson (1809-1892). Coisa incomum para sua época, Tennyson viveu além dos oitenta, duas décadas mais do que Dickens, cinco décadas mais do que Keats. O que poderiam eles ter feito com esses anos tennysonianos?

Tennyson... (...) Ele se libertou de sua paralisia e, em 1850, aos 41 anos, produziu o mais famoso poema do período vitoriano - In Memoriam A.H.H., inspirado pela morte de seu melhor amigo, Arthur Henry Hallam, com quem, especula-se, sua relação era tão intensa que poderia ter sido sexual. Provavelmente não, mas intensa, do modo “viril” aprovado pelos vitorianos, por certo foi.

 

...

 

Tennyson afligia-se ainda mais do que a maioria. Se havia um céu, por que motivo não nos regozijávamos quando uma [p. 166] pessoa querida morria e ia para lá? Elas estavam indo para um lugar melhor. Mas In Memoriam segue sendo, em essência, um poema sobre o pesar pessoal. E afinal, conclui o poema, apesar de toda a dor, “É melhor ter amado e perdido / Do que nunca ter amado em absoluto”. Quem, tendo perdido uma pessoa amada, desejaria que ela nunca tivesse existido? (p. 167)

 

...

 

Ele se vendeu? (p. 168)

 

 

CAPITULO 23

Terras novas

 

A AMÉRICA E A VOZ AMERICANA

 

...

 

O ponto de partida da literatura americana é Anne Bradstreet (1612-1672). Todas as antologias atestam esse fato. A literatura americana como um todo, disse o poeta moderno John Berryman, presta "homenagem à Senhora Bradstreet". Assinala como uma diferença entre as literaturas britânica e americana o fato de que, no Novo Mundo, a figura fundadora é uma mulher. (p. 170) [Osório diz: lembremos de Apha e que a Rainha Vitória era mulher! As mulheres vêm de longe escrevendo, mas parece que lhes falta continuidade, ou, talvez, apoio dAs leitorAs!] (p. 171)

 

...

 

Por que as baleias eram caçadas? Não por esporte. Não por comida. Elas foram caçadas até o limite da (p.172) extinção por causa do óleo extraído de sua gordura, utilizado para iluminação, maquinaria e inúmeras atividades industriais. (p.172)

 

...

 

"verso livre" – a poesia desagrilhoada da rima

 

...

 

Mas a literatura que se originou nos Estados Unidos foi um tanto atrofiada pela recusa do país (em nome do "livre comércio") em assinar a regulação internacional dos direitos autorais até 1891.

 

...

 

Isso não quer dizer que não havia nenhuma literatura americana caseira na época. A "grande guerra", segundo um admirador importante – ninguém menos do que Abraham Lincoln em pessoa –, foi deflagrada por Harriet Beecher Stowe com seu romance antiescravidão A cabana do pai Tomás (1852). O livro vendeu mais de um milhão de cópias no conturbado século XIX, e, se não é verdade que tenha deflagrado uma guerra, de fato mudou a opinião pública. (p. 173) [Osório diz: uma mulher!]

 

...

 

"tese da fronteira". O lugar em que a civili­zação encontra a selvageria (no nível mais bruto, caras-pálidas encontrando peles-vermelhas) é onde se exibe a verdadeira fibra americana. Ou é o que diz o mito.

O western é um dos poucos gêneros que não podemos creditar ao autor Edgar Allan Poe, pai da ficção científica, do "horror" e da história de detetive, notavelmente Assassinatos na rua Morgue (foi o orangotango). (p. 174)

 

...

 

As vinhas da ira (1939), de John Steinbeck. Ele conta a história da família Joad, que, no desastre das grandes tempestades de areia da década de 1930, quando sua fazenda se resseca, vai embora de Oklahoma e pega a estrada rumo à terra prometida, a Califórnia, apenas para descobrir, na chegada, que se trata de um falso Éden. Nos exuberantes pomares e fazendas do oeste, eles se veem tão explorados quanto haviam sido, du­zentos anos antes, os escravos transportados da África à América. A família se despedaça sob a tensão.

O romance de Steinbeck, que ainda é amplamente lido e admirado, embora já tenham desaparecido há muito tempo as circunstâncias que lhe deram origem, não é um mero protesto social contra a implacável exploração dos trabalhadores agrícolas.

 

...

 

 

CAPÍTULO 24

 

O grande pessimista

 

HARDY

 

...

 

Shakespeare também é bem para cima – com a exceção de um punhado de tragédias (em especial Rei Lear) que parecem ter sido escritas no terrível rescaldo da perda de seu único filho, o pequeno Hamnet. [Osório diz: vacilo do autor, mas os ingleses mentem descaradamente!] (p. 178)

 

...

 

O dr. Johnson era pessimista, mas estoico. "A vida hu­mana", ele avaliava, era "uma condição na qual há muito para suportar e pouco para desfrutar". Mas Johnson acreditava que a vida oferecia, se você tivesse sorte, o que ele chamava de "adoçan­tes": amigos, boa conversa, baldes de chá, boa comida e, acima de tudo, os prazeres do relacionamento, por intermédio da página impressa, com as grandes mentes do passado. (Ele não gostava muito de ir ao teatro, e seus olhos não eram bons o bastante para que apreciasse as belas-artes.) No universo Johnson, a luz do sol cintila por entre as nuvens.

 

...

 

natimortomorto antes de ter vivido. (p. 179) [Osório diz: conceito muito usado no Direito Civil.]

 

...

 

uma "visão de mundo" (os críticos literários costu­mam usar o termo alemão para isso, Weltanschauung, que soa mais filosófico).

 

...

 

leis de educação dos anos 1870, que garantiam escola para todas as crianças de até doze anos, ou treze na Escócia. [Osório diz: e no Brasil, em meados de 2010 ainda tinha e tem fdp dizendo que tal lei não deve existir!]

 

...

 

Darwin, com sua bem argumentada teoria da evolução. [Osório diz: bem argumentada não significa a última nem a melhor, mas, apenas, a “em melhor situação no momento”!] (p. 182)

 

...

 

O que consideramos como progresso pode não ser progresso. O que consideramos como um mundo mais eficiente pode ser um mundo rumando para a autodestruição. [Osório diz: profético quando pensamos nas bombas atômicas]

 

 

CAPÍTULO 25

 

Livros perigosos

 

A LITERATURA E O CENSOR

 

...

 

Platão, celebremente, estabelece a segurança de sua República ideal expulsando todos os poetas. [Osório diz: essa é só mais uma das safadezas desse aplaudido estelionatário!]

 

...

 

Podemos elaborar uma lista impressionante de mártires da causa literária. (p. 185)

 

...

 

Uysses, de James Joyce, é um excelente exemplo. O romance foi publicado em forma de livro pela primeira vez em 1922 em Paris, e, após julgamento, onze anos depois nos Estados Unidos (sob a perversa conclusão legal que a obra era “emética”, e não "erótica"). A Grã-Bretanha suspendeu sua proibição de Ulisses alguns anos depois, em 1936. O livro nunca chegou a ser de fato banido na Irlanda. Apenas nunca estava disponível. [Osório diz: emético – "diz-se de substância que ou o que provoca vômito; vomitório, vomitivo”.] (p. 187)

 

...

 

Sem toda essa censura, a Rússia irá produzir uma literatura tão grandiosa? Será interessante ver. [Osório diz: Chico Buarque e sua produção durante a censura no Brasil]

 

...

 

Os Estados Unidos foram fundados por puritanos que trouxeram consigo uma reverencia pela livre expressão e alfabetização. Isso foi reforçado em 1787 pela Constituição, cuja primeira emenda consagra em lei a liberdade de expressão. Essa liberdade, entretanto, nunca foi absoluta e universal. [Osório diz: diga isso para alguns brasileiros e eles se enforcarão!] (p. 189)

 

...

 

A queima de livros era uma parte tão integrante do teatro do nazismo quanto os comícios de Nuremberg. O objetivo, era controlar a "mente" da população negando-lhe qualquer alimento que não fosse aprovado pelo partido. [Osório diz: fazem depois o contrário!]

 

...

 

Na Grã-Bretanha, até o século XVIII o controle foi político, e um braço do Estado. Um escritor que cometesse uma ofensa podia ir parar na Torre de Londres sem o devido amparo de qualquer processo legal, ou ser (como Defoe) despachado pelo magistrado ao pelourinho. Os escritores tinham a sensatez de agir com precaução. Shakespeare, por exemplo, não ambienta nenhuma de suas peças na Inglaterra de então. Por quê? Porque ele não meramente um gênio, mas era também um gênio cauteloso.

A censura do palco, em particular, é urna prática de longa data na Grã-Bretanha. Por quê? Porque as plateias são "aglomerações" que podem facilmente se transformar em "turbas".

 

...

 

Espirituosas peças "shawianas" como A profissão da sra. Warren (1895), que retrata maliciosamente uma casa de má reputação como um empreendimento comercial legítimo,... (p. 190)

 

...

 

A Grã-Bretanha não formalizou a censura em lei até 1857 (...)

“depravar e corromper aqueles cujas mentes estão abertas a tais influências morais”.

 

...

 

Quando George Orwell tentou publicar A revolução dos bichos, em 1944, não conseguiu encontrar um (p. 191) editor disposto a se comprometer com uma fábula que atacava um aliado de guerra da Grã-Bretanha, a União Soviética. [Osório diz: aliados na guerra, quando a Grã-Bretanha esta com o “cê u” na mão!]

 

...

 

Em 1959, entrara em vigor uma nova Lei de Publicações Obscenas

 

...

 

A luta contra a censurada literatura no mundo continua, como atesta cada número do periódico baseado em Londres Index on Censorship. É uma batalha constante. A história literária demonstra que a literatura consegue obter grandes feitos em meio à opressão, acorrentada ou no exílio. (p. 192)

 

 

CAPÍTULO 26

Império

 

KIPLING, CONRAD E FORSTER

 

Já foi salientado, em capítulos anteriores, que grandes literaturas tendem a ser o produto de grandes nações. Isto é, aquelas que alargaram seus territórios por conquista, invasão ou, em alguns casos, roubo descarado. Nenhum assunto, na literatura, levanta questões mais espinhosas do que "império" e "imperialismo muito em particular, “o direito pelo qual um país alega poder possuir, dominar, saquear e, em algumas situações, destruir outro país. Ou, como a potência imperial poderá argumentar, ‘levar a civilização’”. [Osório diz: Bom! Basta para comprovar isso uma visita ao museu de Londres. Verdadeira caverna com joias roubadas pelo mundo afora!] (p. 193)

 

 

...

 

Consideremos o famoso - e muito admirado em sua épo­ca - poema de Rudyard Kipling "O fardo do Homem Branco" (1899). Ele começa assim:

 

Assume o fardo do Homem Branco –

Manda tuas proles mais nobres –

Prende teus filhos ao exílio

Para servirem teus cativos pobres;

Para cuidarem, sob dura rotina,

De um grupo agitado e bravio –

Teu povo amuado, recém-capturado,

Meio demônio e meio infantil.*

 

* TakeuP the WhiteMan'sburden– I Sendforth thebestyebreed– I Go bind your sons to exile I To serve yourcaptives'need;1 To waitín heavyharness I On flutteredfolk and wild – / Your new-caught, sullen peoples, / Half devil and half child. (N.T.) (p. 194)

 

...

 

Rudyard Kipling (1865-1936) era britânico, mas "O fardo do Homem Branco" era dirigido especificamente ao povo dos Estados Unidos. (Kipling, de forma significativa, tinha uma esposa Americana.) O poema foi inspirado pela supressão dos Estados Unidos de uma revolta por independência nas Filipinas, e por sua aquisição, no mesmo período, de Porto Rico, Guam e Cuba. A campanha das Filipinas foi particularmente sangrenta. Estima-se que tenham morrido até 250 mil filipinos. O fardo do homem branco sempre foi manchado de vermelho. [Osório diz: Estados Unidos não mata! <: (este é o sinal de ironia!)]

 

...

 

O poema foi um sucesso imediato nos Estados Unidos, e seu título virou uma expressão proverbial. Ainda é possível ouvi-lo de vez em quando – geralmente com ironia. Com o século XIX (o “Século da Grã-Bretanha”) chegando ao fim, Kipling acreditava que o papel de potência mundial suprema passaria, como passou historicamente, para os Estados Unidos. O século XX estava destinado a ser americano. A Grã-Bretanha, Kipling antecipava credulamente, seria uma parceira, ainda que uma parceira minoritária, de seu grande aliado. As duas nações, unidas, mandariam no mundo como soberanas benignas.

 

...

 

O império é a imposição de uma civilização branca sobre povos que são, e sempre serão, “meio demônios e meio infantis". A ação do império é, em essência, benigna. É um "fardo" assumido sem nenhum plano de ganho nacional e, do modo mais pungente, nenhuma expectativa de agradecimento por parte das raças inferiores, agraciadas pela sorte de serem colonizadas pelo homem branco. Hoje, o poema de Kipling é um constrangimento literário. Foi recebido com aprovação esmagadora em 1899. Os tempos mudam.

 

Naquele mesmo ano, 1899, foi publicada outra obra so­bre o império e o imperialismo do homem branco – O coração das trevas, de Joseph Conrad (1857-1924) (p. 195)

 

...

 

Por alguns meses, Conrad - um homem decente, ainda que não fosse de todo imune aos preconceitos raciais de sua era e sua classe - ficou a serviço de uma agência colonial pela qual a Europa sentiria eterna vergonha: a Société Anonyme Belge pour le Commerce du Haut-Congo.

O assim chamado Estado Livre do Congo tinha sido fundado em 1885 pela Bélgica, uma das menores nações imperiais europeias. "Livre" significava livre pilhagem. O rei Leopoldo II arrendava os dois milhões e seiscentos mil metros quadrados que seu país "pos­suía" para qualquer firma que pagasse mais. O que o comprador fazia depois com seu arrendamento colonial era problema dele. O resultado foi o que ficou conhecido como o primeiro genocídio da era moderna. Conrad o chamou de "a mais vil disputa pela pilhagem que já desfigurou a história da consciência humana".

 

...

 

A viagem pelo rio teve uma profunda influência em Con­rad: "Antes do Congo eu era um mero animal", ele afirmaria depois. Passaram-se oito anos até que o "horror" (uma palavra-chave no romance) se acomodasse em sua mente na medida necessária para que ele escrevesse O coração das trevas. (p. 196)

 

...

 

Por trás de todos os impérios, nós compreendemos, esconde-se o crime. [Osório diz: Vejam! É dito e escrito, mas o idiota não lê e não acredita ou o nega!]

 

...

 

(Europa e América tinham imensa demanda de marfim para fazer coisas como bolas de bilhar e teclas de piano.) A viagem leva Marlow ao coração sombrio das coisas – o capitalismo, a natureza humana, [Osório diz: Ironia e constatação! Ainda hoje, o ouro e os diamantes!]

 

...

 

"os lugares sombrios da terra", temos a implicação que todos os impérios são, na raiz, iguais. A distinção entre império bom, e império ruim é falsa: todos são ruins. [Osório diz: tá dito e escrito! Se informe para acreditar!]

 

...

 

Passagem para a índia (1924), de E.M. Forster. (...) Ele se apaixonou pelo país e por seu povo. Era um homem inteiramente livre de qualquer senso de superioridade colonial ao modo de Kipling. (p. 197)

 

...

 

Ninguém sabe ao certo o que aconteceu nas Cavernas de Marabar – faz parte do mistério confuso" que é a índia colonial. [Osório diz: não confundir com Marabá, no Pará, como eu o fiz inicialmente! Kkkk]

 

...

 

Whitman era gay, assim como Forster. [Osório diz: mantive esta informação para dizer o seguinte: o que que o cós tem a ver com as calças? Nunca li Forster, mas, o pouco que li de Whitman, não me fez qualquer diferença essa sua condição! Aliás, as opiniões dos autores são aceitáveis ou não independente de suas opções sexuais! Quem não concordar com eles deve fundamentar suas opiniões em sentido oposto a deles. Não é simples? Pois é! “Vá lá!”]

 

...

 

O que Forster enfrentava era o fato (p. 198) de que a ficção, por sua natureza, não pode "solucionar" os problemas do império. [Osório diz: mas ajuda para “carajo”! Não é isso que o autor diz da “Cabana de pai Tomás”?] (p. 198)

 

 

CAPÍTULO 27

 

HINOS CONDENADOS       1201

 

OS POETAS DA GUERRA

 

A guerra e a poesia sempre andaram de mãos dadas. (p. 200)

 

...

 

Os poetas desses quatro anos tenebrosos que mais admiramos tiveram dificuldade para lidar com o fato de que seu verdadeiro inimigo poderia não ser o kaiser (primo-irmão do próprio rei britânico, Jorge V) com seus "hunos de coturno", mas uma sociedade inglesa que, de alguma forma, perdera o rumo e incorrera no disparate de uma matança totalmente sem sentido de seus melhores e mais brilhantes, por nenhuma razão válida. [Osório diz: (para o meu escrito sobre as cabeças coroadas que sempre governaram. Parentescos entre os donos do mundo sempre geram a união entre eles quando são acossados. Napoleão e Hitler, por exemplo, se meteram a besta com eles!]. (p. 202)

 

...

 

fugindo dos pogroms do czar. [Osório diz: "Pogrom é uma palavra russa que significa "causar estragos, destruir violentamente". Historicamente, o termo refere-se aos violentos ataques físicos da população em geral contra os judeus, tanto no império russo como em outros países. Acredita-se que o primeiro incidente deste tipo a ser rotulado pogrom foi um tumulto anti-semita ocorrido na cidade de Odessa em 1821. Como termo descritivo, a palavra "pogrom" tornou-se de uso comum durante as grandes revoltas anti-semitas que aconteceram na Ucrânia e no sul da Rússia, entre 1881 e 1884, após o assassinato do Czar Alexandre II.". Podemos dizer que os comunistas tiveram bom exemplo?] (p. 206)

 

 

CAPITULO 28

 

O ano que mudou tudo

 

1922 E OS MODERNISTAS

 

...

 

Foi o que o latim chama de tabula rasa: uma lousa em branco.

 

...

 

Antes de observar algumas das obras-primas concedidas ao público leitor em 1922 e arredores, consideremos certas características gerais. (p. 209)

 

....

 

A Irlanda, afirma o herói de Retrato do artista quando jovem, é a "porca velha que come seus bacorinhos [leitõezinhos]" – a mãe que tanto alimenta quanto destrói você. (p. 211)

 

...

 

O que se descreve é uma cena cotidiana: o fluxo de passageiros saindo do terminal ferroviário e atravessando do Tâmisa rumo aos escritórios da City (o centro financeiro do mundo) para manter em funcionamento a grande máquina do capitalismo global. (p. 212) [Osório diz: tão atual!]

 

...

 

A poesia do próprio Pound encontrava sua inspiração em lugares exóticos. Ele era fascinado pela literatura oriental, pela linguagem na qual o pictórico e o textual se fundiam numa mesma unidade. Seria possível "cristalizar" palavras em imagens como fazia o pictograma chinês? [Osório diz: ver] Ele se saiu melhor do que qualquer outro na empreitada. Um de seus poemas, “Numa estação do metrô” começou como uma descrição estendido do subterrâneo de Paris. (p. 214)

 

 

CAPÍTULO 29

 

Uma literatura toda dela

 

WOOLF

 

...

 

Virginia Woolf (1882-1941) escreveu num famoso meio social (grosso modo, um grupo de intelectuais com pensamentos assemelhados) conhecido como o Grupo de Bloomsbury.

 

...

 

Tinha um intelecto poderoso e era, em grande medida, uma mulher dona de si. Sem o apoio desse meio, porém, nunca teria sido a escritora que foi.

 

...

 

Na Grã-Bretanha, as mulheres só ganhariam (p. 215) direito ao voto oito anos depois de 1910, a data na qual "o caráter humano mudou" [Osório diz: o fato de as mulheres serem discriminadas na Inglaterra nunca incomodou a Rainha Vitória, que, até onde sei, era mulher! O que eu quero dizer com isso? É que as mulheres são muito desunidas, aliás, parecem não suportar suas mães e filhas! As vezes nem estas e aquelas! Daí não se prestigiarem como forma de incentivo na persecução de seus objetivos enquanto tais.].

 

...

 

Grupo de Bloomsbury nos anos 1920. O outro é a grande reforma no pensamento crítico sobre a literatura gerado pelo surgimento do "Movimento Feminino" em meados da década de 1960, que a escolheu como escritora representativa.

 

...

 

A própria autora escreveu o que acabou se transformando num dos textos fun­dadores do feminismo literário, Um teto todo seu (1929). Nesse tratado, argumenta que as mulheres precisam de seu próprio espaço, e de dinheiro, para criar literatura. Não podem fazê-lo de maneira razoável na mesa da cozinha, depois de ter preparado a refeição noturna do homem da casa e com as crianças deitadas em segurança na cama. (p. 216)

 

...

 

Os bloomsberries encaravam a Primeira Guerra Mundial como um estertor agônico do vitorianismo. Era trágico que tantos milhões tivessem sido levados à morte, mas se tratava de um "fechamento", possibilitando que a literatura e o mundo das ideias tivessem um começo totalmente novo. [Osório diz: carvalho!]

 

"Bloomsbury", então, representava o quê? "Civilização", eles poderiam ter retrucado. "Liberalismo" poderia muito bem ter sido outra resposta. Os integrantes eram partidários de uma filosofia que se originou com John Stuart Mill e foi reformulada pelo filósofo de Cambridge G.E. Moore. Em essência, a ideia básica era que você era livre para fazer qualquer coisa, desde que isso não danificasse, ou infringisse, as liberdades equivalentes de outra pessoa. É um belo princípio, mas extremamente difícil de colocar em prática. Impossível, alguns diriam. [Osório diz: sim!]

 

...

 

Woolf não frequentou universidade, e não precisava disso. Chegou à idade adulta com uma erudição extraordinária, bem conectada com as mentes mais refinadas de seu tempo. Começou a escrever quase tão logo conseguiu pegar uma caneta na mão. em sua infância, contudo, percebeu-se que sua mente era perturbada (p. 218)

 

...

 

Nada de mais jamais "acontece" nas narrativas de Woolf. A questão não é essa. O grande evento da sra. Dalloway não é nem um pouco especial – é só mais uma festa com políticos enfadonhos.

 

...

 

Temia-se, na primavera de 1941, que a Alemanha, tendo ocupado a França sem a menor dificuldade, pudesse em breve invadir e conquistar a Grã-Bretanha. (p. 221) [Osório diz: a história da disputa entre esses dois países ainda não acabou!]

 

 

CAPÍTULO 30

 

Admiráveis mundos novos

 

UTOPIAS E DISTOPIAS

 

Utopiaé uma palavra do grego antigo que significa, literalmente, “lugar bom”.

 

....

 

A literatura tem uma capacidade divina de, simplesmente usando a faculdade da imaginação, criar mundos inteiros. É pro­veitoso pensar em dispor esses mundos ao longo de uma linha, com o "realismo" numa ponta e a "fantasia" na outra. (p. 222)

 

...

Essas utopias de retorno, à simplicidade são nostálgicas.

 

...

 

Seja olhando para trás ou para frente, todas as sociedades têm uma visão grandiosa do que é, foi ou será seu "lugar bom". Na Grécia antiga, a República de Platão imaginou uma cidade perfeita na qual tudo teria um arranjo racional com “reis filósofos”, como o próprio Platão, no comando. Nas sociedades dominadas pela tradição judaico-cristã, as imagens bíblicas do Éden (no passado) e do Céu (no futuro) tendem a inspirar e colorir as visões utópicas da literatura. Na Roma antiga, era "Elísio" (isto é, os "Campos Elísios" – um mundo natural perfeito). Nas sociedades muçulmanas, o Paraíso. Para os vikings, era Valhala, lar de grandes heróis, celebrando seus feitos em batalha. O comunismo acreditava, nos passos de Marx, que o futuro distante teria  o que ele chamou de "definhamento do estado" e uma condição de perfeita igualdade social entre os homens. (p. 223) [Osório diz: esse tal de Marx está em todas! E isso pelo fato do capitalismo dizer – e pagar para que seja dito – que ele, além de burro, está morto!]

 

...

 

Todos esses sistemas de crenças, a seus diferentes modos, inspiraram autores a criar mundos imaginários — o "final feliz" da humanidade. Mas o grande problema com as utopias literárias (e a de More não é exceção) é que tendem a provocar bocejos de tédio. A literatura é mais legível quando adota uma posição crítica, cética ou de franco conflito. A chamada visão "distópica" das coisas rende uma leitura mais animada e uma reflexão mais provocadora sobre as sociedades do passado, do presente e do futuro. Podemos ilustrar esse aspecto examinando algumas das mais famosas distopias literárias das quais, se você ainda não as leu, certamente vale a pena ir atrás. [Osório diz: "A distopia ou antiutopia, por sua vez, é a antítese da utopia, apresentando uma visão negativa do futuro, sendo geralmente caracterizada pelo totalitarismo, autoritarismo e pelo opressivo controle da sociedade." (Fonte: https://www.estudopratico.com.br/utopia-e-distopia-conceito-e-exemplos/)]

 

...

 

Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, tem um título pro­vocativo. E a temperatura na qual o papel impresso pega fogo espontaneamente (uma metáfora, poderíamos pensar, para a própria literatura). Bradbury o escreveu em 1953. Foi inspirado a fazê-lo pela chegada da televisão como meio de massa. Na visão de Bradbury, a ascensão da TV era a morte do livro.

Para Bradbury, isso era algo péssimo. Os livros, ele acreditava, faziam com que as pessoas pensassem. Eram estimulantes. O aparelho de televisão fazia o oposto. Era um narcótico. Além disso, de maneira sinistra, a televisão viabilizava um poder sobre a população do qual nenhum ditador jamais desfrutara — uma "tirania branda". Um controle das mentes universal. (p. 224)

 

...

 

Mas Bradbury está cem por cento certo em sua análise de como funciona a tirania moderna mais eficiente. Ela não precisa cabeças com uma guilhotina, ou exterminar ("expurgar") classes inteiras de pessoas, como fizeram Stálin e Hitler. Ela pode funcionar igualmente bem com o controle do pensamento. [Osório diz: ainda bem que, em termos de matar, ele falou nos impérios! Embora não os cite aqui, Inglaterra e Estados Unidos nunca param de matar em suas guerras intermináveis] (p. 225)

 

...

 

Como no caso de Bradbury, Huxley tanto acerta quanto erra em suas previsões.

 

...

 

A distopia mais discutida dos últimos cinquenta anos é O conto da aia, de Margaret Atwood. Foi publicada em 1985, quando Ronald Reagan era o presidente dos Estados Unidos. Ele estava no poder, alguns pensavam, devido ao apoio crucial da "direita religiosa" – fundamentalistas cristãos. Esse é o ponto de partida da distopia feminista-futurista de Atwood. (p. 226)

 

...

 

O conto da aia é ambientado num fim de século XX pós‑guerra nuclear. Fundamentalistas cristãos assumiram o controle dos Estados Unidos, renomeado por eles como República de Gilead. Os afro-americanos ("Filhos de Cam") foram eliminados. As mulheres encontram-se de novo em seu lugar subordinado. Ao mesmo tempo, a fertilidade masculina e feminina caiu a níveis desastrosos. As poucas mulheres que podem gerar filhos são designadas como "aias" – procriadoras à disposição dos homens. As aias de Gilead não têm direitos, nenhuma vida social e recebem o nome patrimonial "De [seu dono]". A heroína é Offred (propriedade de Fred). Ela foi capturada com seu marido e filha enquanto tentavam escapar para o liberal Canadá (um pequeno chauvinismo: Atwood é canadense). Offred é alocada para um homem poderoso chamado "Comandante". O romance termina com Offred parecendo escapar do cativeiro, embora o trecho seja escrito de tal modo que não podemos ter total certeza de que ela conseguir. (p. 227)

 

...

 

Mas Orwell tinha alvos maiores em mente. A guerra ha­via sido travada contra Estados "totalitários" (Alemanha, Itália, Japão) e seus ditadores todo-poderosos. Os aliados que saíram vitoriosos eram "Estados democráticos". No entanto, o principal parceiro oriental, a URSS, era um Estado tão totalitário quanto a própria Alemanha do pré-guerra. Enquanto a guerra se desenro­lou, isso não teve importância. Churchill afirmou que faria um pacto com o diabo, se Lúcifer fosse anti-Hitler. Mas e depois? [Osório diz: parceria entre Inglaterra e URSS, determinada pelo medo dos capitalistas de perderem as mãos! Mas, “passado” o perigo, o então protegido se volta contra o seu protetor! Sem novidades...]

 

...

 

Qual é o país que tem mais câmeras de vigilância no mun­do? [Osório diz: Inglaterra! O cavalheirismo e o “lordismo” inglês costuma ser visto quando os hooligans estão em outros países longe das câmeras de segurança de sua terra! Os selvagens são os outros, eles somente têm medo da polícia!] Você adivinhou. A Pista de Pouso Número 1. Vivemos num futuro "orwelliano". Como previsto. (p. 228)

 

 

CAPÍTULO 31

 

Caixas de truques

NARRATIVAS COMPLEXAS

 

A ficção pode fazer muitas coisas além de entreter. Pode, por exemplo, instruir. O que muitos de nós sabemos sobre ciência pode ter vindo das leituras de ficção científica. A ficção pode esclarecer e mudar mentalidades – como A cabana do pai Tomás mudou o pensamento da América em relação à escravidão. A pode popularizar as ideias centrais de um partido político: o que hoje é a crença central do conservadorismo britânico foi elaborado numa série de romances de Benjamin Disraeli nos anos 1840. Quando mira na direção certa [Osório diz: qual é ela?], a ficção pode provocar reformais sociais urgentes. No início do século XIX, o romance A selva (1906), de Upton Sinclair, sobre os horrores da insdústria de processamento de carnes, provocou a criação de uma legislação. (p. 229)

 

...

 

Tradução de José Paulo Paes. A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy, São Paulo: Companhia das Letras, 1998. (N.T.) (p. 231)

 

...

 

A narra­tiva presume um narrador, um "contador da história". Quem é ele? O autor? Às vezes parece ser, às vezes claramente não é. Por vezes ficamos na incerteza. Jane Eyre não é Charlotte Brontë, por exemplo, mas parecem existir conexões claras, biográfica e psicologicamente, entre autora e heroína.

 

Mas o que dizer de um romance moderno como Crash (1973), de J.G. Ballard, no qual o personagem principal se chama James Ballard, que calha de ser um homem com um interesse totalmente sinistro por acidentes de carro e as coisas desagradáveis que eles causam à carne humana? É alguma espécie de confissão? Não. É o autor fazendo um jogo literário muito sofisticado não “com” mas “contra” o leitor. É como dois amigos disputando uma acirrada partida de xadrez.

A obra de ficção mais famosa de Ballard (graças, em grande medida, ao oscarizado filme de Steven Spielberg) é O império do sol (1984). É sobre um menininho que se separa dos pais em Xangai, na eclosão da Segunda Guerra Mundial, e se vê num campo de concentração cujos horrores formarão (deformarão?) sua personalidade para o resto da vida. O herói se chama "Ja­mes", e as experiências de James correspondem exatamente às experiências de James Ballard tais como registradas pelo autor em sua autobiografia. É ficção, então? Estamos numa situação "James = James"? Sim e não. Nem mesmo tente entender, sugere o romance. Apenas aceite. (p. 232)

 

 

CAPÍTULO 32

 

Fora da página

 

A LITERATURA NO CINEMA, NA TV E NO PALCO

 

“Literatura”, como você deve saber, significa literalmente algo que nos chega sob a forma de letras. Isto é, algo escrito ou impresso e sorvido pelos olhos para ser interpretado pelo cérebro.

 

...

 

O que Homero veria nesse filme como sendo, em qualquer sentido, "dele"? [Osório diz: kkkkkk. Piada né, já que o poeta era cego!] (p. 237)

 

...

 

Por regra geral, as adaptações de literatura são impelidas por três motivos. O primeiro é explorar "uma coisa boa" – ga­nhar dinheiro pegando um bonde que já está em andamento. A motivação do lucro, e não uma aspiração artística, é a frequente força motriz por trás de muitas séries de TV ou, recuando um século, dos dramaturgos piratas que adaptavam a ficção de Dickens.

 

...

 

"Por trás de toda grande fortuna", disse o romancista francês Balzac, "há um crime." [Osório diz: eu pensava, e repetia, que esse dito era de um inglês!] (p. 239)

 

...

 

Uma questão central no processo da adaptação literária é a de avaliar se ela é um serviço (como acho que são os exemplos acima) ou um desserviço ao texto em questão. (p. 240)

 

...

 

Leia E o vento levou!". O romance permaneceu no topo da lista dos mais vendidos por dois anos e ganhou um Prêmio Pulitzer. Mitchell vendeu os direitos cinematográficos à MGM por 50 mil dólares [Osório diz: na época de paridade entre dólar e real, ganhei cerca de 50 mil com direitos autorais! Os tempos eram outros, mas 50 mil dólares “é” 50 mil dólares. É um bom negócio, então. O problema é acertar na “aveia”!]

 

...

 

Não, não é. A MGM manteve os principais contornos do enredo de Mitchell, mas suavizou as referências favoráveis à Ku Klux Klan e, omitiu o assassinato, por parte do herói Rhett Butler, de um negro liberto que ousou afrontar a virtude de uma mulher branca. Os produtores tiraram o "fio" de um romance muito afiado. Para quem respeita o notável livro, isso importa.

Há outra objeção legítima que podemos apresentar contra às adaptações. Ao contrário de muitos romancistas, Jane Austen (para usá-la de novo) nunca nos dá uma clara imagem pictórica de suas heroínas ou heróis. Tudo que sabemos a respeito de Emma Woodhouse, por exemplo, é que ela tem olhos castanhos. Trata-se de uma decisão artística da parte de Austen. Isso permite ao leitor que construa sua própria imagem. [Osório diz: “Emma”, também é a personagem principal de Fluabert em Madame Bovary! Qual nasceu primeiro? Madame é de 1857, já Emma é de 1815!] Entretanto, depois de vermos o filme de 1996 Emma, o rosto de Gwyneth Paltrow (p. 241) provavelmente irá se impor em todas as releituras subsequentes do romance. É um rosto muito bonito - mas isso não é o que Austen queria.

 

Tradução, como se diz, partindo de um provérbio italia­no, é "traição" (Traduttore, traditore). (p. 242)

 

 

CAPÍTULO 33

Existências absurdas

 

KAFKA, CAMUS, BECKETT E PINTER

 

...

 

A condição humana [Osório diz: o que é isso?

Condição Humana (3.º Quartel Séc. XX)

 

"O grande mistério não é termos sido lançados aqui ao acaso, entre a profusão da matéria e das estrelas: é que, da nossa própria prisão, de dentro de nós mesmos, conseguimos extrair imagens suficientemente poderosas para negar a nossa insignificância."

 

André MALRAUX, A Condição Humana, 1933.

 

A Condição Humana pode ser entendida como o horizonte no qual se perfila toda a existência humana, com o mundo a servir de lugar de exílio, de refúgio ao indivíduo. Este terá na morte, única certeza do indivíduo, o incontornável momento de confronto com a sua própria condição humana. "A vida voa", dizia Omar Khayyam (poeta persa do século XII), pois "a flor que floresceu uma vez, morre para sempre". Muitas foram as formas de se encarar a Condição Humana, quer numa perspetiva de entrega à mesma quer numa forma de aceitação tenaz e lutadora, comportando sofrimento e morte, como entre os Cristãos, por exemplo. "A vida é uma sombra que caminha, um pobre ator que se pavoneia...", sentenciava Shakespeare (Macbeth). Tantas foram e são as formas de se encarar a Condição Humana, para uns um flagelo, um degredo terreal, um "vale de lágrimas", para outros o inevitável, logo não há forma de a evitar, para outros um tormento que aumenta em cada dia da vida. Uns vivem-na alegremente, outros lutam contra ela, outros esquecem-na.

 

O passado acaba por ser para o indivíduo um capital de experiência humana, um conjunto de tensões e choques, civilizacionais ou individuais, numa consciência dualista da vida do homem no mundo e da sua aventura do futuro. A Condição Humana pode assim ser entendida como a luta entre a vida e a morte, entre o indivíduo e o grupo (a sociedade), a liberdade e o destino, o que é finito e o que se pode aperfeiçoar. A condição humana não implica necessária e exclusivamente negativismo, antes apenas reflexão e tomada de consciência do papel do homem no mundo, no tempo e no espaço.

O homem é um ser vivo, nasce, cresce e morre um dia. Apenas tem a vida, orientada para a morte. Mas algo há que o impele ao desejo de fuga, quase de desafiar a sua condição enquanto homem. Como tal, porque vive, há que assegurar a manutenção da sua própria vida, comendo, bebendo, aprendendo, conhecendo, adaptando-se ao meio e ao grupo. Como condição é genericamente "tudo aquilo de que alguma coisa depende", dependendo o homem da vida e ninguém podendo pensar no seu lugar ou por si, há que dar pois um sentido à sua existência, "moldar" a sua própria condição humana, por mais que ela esteja impregnada de destino. Mas o homem não é um ser isolado, fisicamente precisa de algo para ter uma vida enquanto ser, necessita de outros seres, condição para a sua realização humana, o que faz dele um ser cultural e solidário. "Aprendamos a viver em conjunto como irmãos, senão vamos morrer em conjunto como uns idiotas" (Martin Luther King).

O homem é também capaz de efetuar escolhas, enquanto ser livre e responsável pelos "seus atos", tomados livremente, o que dele faz senhor do seu destino: no fundo, o homem é aquilo que ele quiser ser. A tensão aqui reside no facto de que muitas coisas (ou nem tudo) já não dependem dele, o que faz com que não seja senhor do seu destino. Porque não escolheu nascer, por exemplo, ou os seus genes, nem a época e lugar para viver, teve que aceitar uma série de contingências, adversidades, fatores externos de ordem física ou cultural, que lhe são impostos, o que já faz dele um ser dependente em muitos parâmetros da vida.

E porque vive, com efeito, é limitado como ser, no tempo e no espaço. Falha, erra, é frágil, engana-se, sofre. O que dele pode fazer um ser "eternamente insatisfeito", em luta pelo aperfeiçoamento, em aprendizagem com os seus erros e falhas, animado por um forte sentido de busca da perfeição. Do infinito, até: daí a ideia de Deus. Schopenhauer afirmava, nesta ideia de tensão entre finito e infinito, nesta procura do aperfeiçoamento, que "A vida de um homem não é senão uma luta pela existência com a certeza de ser vencido"...

A condição humana, vista desta forma, a partir da consciência das tensões e conflitos da história do homem, no todo ou individualmente, na história de cada um, pode ser vista como a avaliação da amplitude de defeitos e erros que o homem deve superar, para pura e simplesmente se realizar, dar um sentido à sua vida, ultrapassar as suas contradições. O homem é um ser metafísico, desde sempre, animado por duas forças essenciais que animam a sua condição humana, o amor, que une, e o ódio, que separa.

O existencialismo acabou por ser a grande corrente filosófica que projetou a sua reflexão em grande parte na condição humana. O individual, o ser, as suas experiências e singularidades de vida, são o objeto da filosofia existencialista, na sua forte crença na liberdade absoluta. Analisaram, a partir de meados do século XX, principalmente, o problema da existência humana, questionando-a em toda a sua natureza: quem somos, o que fazemos, para onde vamos, o que é que nos move, tantas foram as questões que Sartre, Jasper ou Heidegger, entre outros, lançaram ao mundo acerca da existência, enfim, da condição humana, do sentido da vida. Vendo-a a partir das experiências vividas, para uns é como que uma "náusea" (Sartre), outros consideram-na a "experiência da caminhada para a morte" (Heidegger), ou então a "fragilidade do ser" (Jasper). A reflexão sobre a Condição Humana ganhou grande expressão literária e cultural em meados do século XX, depois da publicação do título que lhe deu o nome, por André Malraux, em 1933. Depois veio a Segunda Guerra Mundial, teatro por excelência das venturas e desventuras da Condição Humana, com toda a reflexão que dela adveio, principalmente na filosofia e na literatura, onde pontificam nomes como Jean-Paul Sartre ou Simone de Beauvoir, os quais beberam as reflexões de Husserl, Heidegger, Nietzsche, Freud, Schopenhauer, Kierkgaard ou Jaspers. O problema da Condição Humana centrou-se, no terceiro quartel do século XX, na consciência e tomada de posição sobre o "absurdo do mundo e da barbárie" sem justificação que resultou da Grande Guerra, já como Malraux debatia no seu livro, nas agruras da existência, dos conflitos, na vida dos que provavam o fel amargo da guerra, da destruição, que a Guerra Civil de Espanha e o grande conflito de 1939-1945 sublimariam, seguidos da Coreia, da Argélia, da Indochina Francesa, do Vietname e das descolonizações sangrentas de África, mundos de crueldade, de dor, de sofrimento, da dura e triste condição humana de tantos seres humanos.

"Vidas largadas ao abandono", na guerra como nos países marcados pelo progresso e pela paz, que também deixam marcas na existência de cada um e do grupo em que se insere, feridas da condição humana. Daí a ideia da solidão, do silêncio, do absurdo, da "morte de Deus"... Uma consciência aguda de abandono do indivíduo, em que já nem Deus o assiste e ampara, numa época em que o mergulho na solidão era cada vez mais gritante, na impotência do indivíduo em superar as contradições da sua existência e das suas ações, que geram morte, destruição, finitude entre o ser humano. A condição humana foi nos anos 50-70 do século XX vista sob a forma de luta contra as guerras, contra a opressão da sociedade de consumo, contra as soluções político-militares resultantes da Segunda Guerra Mundial, contra a destruição do indivíduo, logo da sociedade. Era preciso uma emergência do indivíduo, uma tomada de consciência do seu lugar no mundo, no tempo, na história, no todo. Daí a luta pelos direitos humanos, a luta contra a segregação racial e social, como fez Martin Luther King ou Nelson Mandela, entre outros profetas da Negritude, como Léopold Senghor, o direito à opção para os povos subjugados e para os marginalizados, a luta contra os fantasmas da Guerra Fria e contra o fosso entre países desenvolvidos e aquilo a que se começou a designar por Terceiro Mundo.

 

Fonte: https://www.infopedia.pt/$condicao-humana-(3.-quartel-sec.-xx)

 

e,

 

A condição humana segundo Pascal

 

Uma constante na história da filosofia é o elogio do poder de conhecer que tem o homem. Tal poder identificou-se no mais das vezes a uma das faculdades humanas, a Razão. Seria contudo falsear esta história omitir o aspecto auto-crítico da Razão, ou seja, a capacidade de a filosofia criticar racionalmente a Razão, apontando os limites do conhecimento humano. Tal tarefa foi explorada de modo particular por Blaise Pascal (1623-1662), e é através dela que podemos compreender o papel fundamental da Religião no pensamento deste filósofo.

Lê-se nos manuais que Pascal trata da condição miserável do homem, dilacerado entre o nada de onde saiu e o infinito que o envolve, incapaz de compreender seu princípio bem como seu fim. Vejamos o que isto significa: antes de tudo (e é aí que se situa a crítica ao poder da razão), que a única compreensão real ao alcance do homem pascaliano é a de ser superado por infinitos que ele não pode fixar, mas que sente serem irremediavelmente necessários para a compreensão do mundo e de si mesmo. Afinal, o homem é uma parte do todo, a qual tem infinitas relações com as outras, de modo que a compreensão da parte implica conhecer o todo em que se insere. Na dura visão de Pascal, o homem é profundamente infeliz pois só um bem infinito, e portanto inabarcável, poderia satisfazer seus anseios. De um lado, se a imaginação disfarça esta necessidade de infinitude, o homem perde-se inutilmente nos bens materiais, sofrendo contínuas decepções. De outro, se  compreende esta necessidade (através da humilhação que sente ao ser superado), percebe sua incapacidade de sequer imaginar o infinito. “Por mais que ampliemos as nossas concepções e as projetemos além dos espaços imagináveis, concebemos tão somente átomos em comparação com a realidade das coisas. Esta é uma esfera infinita cujo centro se encontra em toda parte e cuja circunferência não se acha em nenhuma.”  (As citações do texto são do fragmento 72 dos Pensamentos, Abril Cultural).

No extremo oposto, o menor dos objetos (uma lêndea, por exemplo) contém dentro de si infinitos mundos, e dentro deles infinitos seres que vão muito além do que o homem pode imaginar. Logo, os elementos que compõem o universo são tão inabarcáveis quanto o todo dele, ou seja, até o mais desprezível inseto é capaz de derrubar a pretensão humana de conhecer os infinitos, seja o infinitamente grande ou o infinitamente pequeno. Na verdade, a posição natural do homem é de flutuar no meio deles sem entendê-los, de modo que o que extrapola a mediocridade não está em proporção com sua capacidade: quando avança rumo ao todo, sua insignificância o arrasta de volta; quando tenta agarrar o nada, seu pouco ser torna-se gigantesco, fazendo da menor distância um infinito insuperável.

O homem está destinado ao meio, mas não pode perder de vista os dois extremos. Diante deles, tudo é ínfimo, desnecessário, passageiro. A morte é o que o espera pois, comparados à eternidade, oitenta anos ou oitocentos são o mesmo que nada. Tudo que tem uma duração, um limite, do nosso ponto de vista finito é símbolo da morte, e do ponto de vista infinito (a eternidade de Deus) como que já morreu.

Então qual é a saída? Cabe à Razão, cuja força pintou este quadro trágico da existência humana, perceber que deve submeter-se à Religião. Não se trata de renunciar à Razão, mas de perceber racionalmente que as razões da Religião são as únicas capazes de explicar nossa condição e dar-lhe alguma esperança. A miséria não tem sentido se não a virmos como efeito do pecado original. E estaríamos necessariamente enredados nela não fosse a salvação em Jesus Cristo. É fato, diz Pascal, que estes mistérios são incompreensíveis, mas nossa condição é mais incompreensível sem eles do que eles são em si mesmos. Por isso a Razão deve aceitá-los.

Não há espaço para apresentar todo o exame que Pascal faz da Religião Cristã, mas isto não deve levar o leitor a crer que haja um abandono da racionalidade, o que seria abandonar a filosofia. Ao contrário, é a força da Razão que se manifesta ao explorar seus próprios limites.

 

Autor: Luís César Oliva

Mestre e doutor pelo departamento de filosofia da USP, assina mensalmente a seção “Filosofia CULT”

 

Fonte: https://revistacult.uol.com.br/home/a-condicao-humana-segundo-pascal/] (p. 243)

 

...

 

No entanto, a literatura absurdista ainda tinha uma missão – afirmar que a literatura, assim como tudo mais, não tem sentido. (p. 244)

 

...

 

 

CAPÍTULO 34

 

A poesia do colapso

 

LOWELL, PLATH, LARKIN E HUGHES

 

No início de uma manhã de outubro em 1800, o poeta William Wordsworth saiu para uma caminhada pelos morros relvados de seu amado Lake District.

 

...

Nós poetas", refletiu,

 

começamos a vida em alegria pura;

Mas ela vira, no fim, desalento e loucura.*

* (N.T.) (p. 251)

 

...

 

Os menos alegres entre nós poderiam ficar inclinados a pensar que melhor poesia nasce não do espírito animado, mas do espírito (p. 252) deprimido.

 

...

 

O psicanalista Sigmund Freud achava que a grande arte nascia da neurose, não da "normalidade" psíquica (se é que isso existe). Pode ser feita uma comparação com o grão irritante que, na concha da ostra, produz a pérola.

 

...

 

regra de ouro da poesia: "quanto mais perfeito o artista, tão mais completamente serão separados nele o homem que sofre e a mente que cria". A impessoalidade era o filtro pelo qual a poesia devia ser entregue, acreditava o autor de A terra devastada. W.B. Yeats prescreveu algo na mesma linha – a saber, que o poeta precisava escrever atrás de uma máscara ou "persona" (uma personalidade assumida). Ele precisava se manter de fora. Ou se transformar no que o latim chama de "alter ego" – um "outro eu". O equí­voco mais básico na poesia (em especial, na moderna poesia) é deduzir que o eu poético é o poeta. (p. 253)

 

...

 

O "colapso" de Larkin, por assim dizer, teve uma revira­volta distintamente larkinesca. Muito antes de morrer, parou em definitivo de escrever poesia. Foi algo triste para seus milhões de admiradores. Perguntaram-lhe por que tinha abandonado a poesia. "Não fui eu", ele respondeu. "A poesia me abandonou." Podemos chamar isso de um suicídio do espírito criativo. [Osório diz: costumo dizer isso para os políticos que dizem ter abandonado a política, quando, na realidade, foi ela quem os abandonou (os eleitores, no caso).]

 

...

 

O inglês de Yorkshire Ted Hughes (1930-1998) é o mais durão dessa escola moderna da dureza. Ele aceitava o fato de que “o espírito mais íntimo da poesia é no fundo, em todos os casos registrados, a voz da dor”. (p. 256)

 

...

 

Há vários outros poetas que poderíamos incluir na discus­são sobre "a voz da dor" e sobre como a poesia deveria usá-la.

 

...

 

Na poesia, então, há o que os filósofos chamam de “dialética”: um choque e um encontro de forças opostas. [Osório diz: definição de dialética. Protágoras chamou de “duplos discursos sobre qualquer assunto”. Hegel propôs que desse encontro de opostos nasce a síntese] (p. 257)

 


 

CAPÍTULO 35

 

Culturas coloridas

 

LITERATURA E RAÇA

 

A raça é um assunto que esquenta os ânimos. Também na lite­ratura, e nas discussões sobre literatura. É algo que nos coloca em situações desconfortáveis. O retrato que Shakespeare faz de Shylock é antissemita? Ou demonstra, no fundo, solidariedade a uma vítima de preconceito racial? Quem defende a solidariedade vai citar a fala

 

Eu sou um judeu. Judeu não tem olhos? Judeu não tem mãos, órgãos, dimensões, sentidos, impulsos, sentimen­tos? Não se alimenta também de comida, não se machuca com as mesmas armas, não está sujeito às mesmas doen­ças, não se cura pelos mesmos métodos, não passa frio e não sente calor com o mesmo verão e o mesmo inverno que um cristão? Se vocês nos furam, não sangramos?* [Osório diz: a “raça” (no caso religião: judaísmo) não pode acobertar atitudes! Judeu rouba, judeu mata, judeu explora etc. Ocorre que os judeus usam sua condição apenas para se defender, nunca fazem o mesmo com os outros quando de seus ataques. Pegue-se o texto e substitua “judeu” por “palestino”!]

 

*Tradução de Beatriz Viégas-Faria. O mercador de Veneza. Porto Alegre: L&PM, 2007. (N.T.) (p. 258)

 

...

 

Mas Shakespeare, dizemos à guisa de esculpa, não era mais preconceituoso do que a maioria em seu tempo [Osório diz: precisaríamos ver se, no tal tempo de Shakespeare já não existiam aqueles que defendiam o fim dos preconceitos. Em caso positivo, ele não só era um homem de seu tempo como um preconceituoso também! Quando Platão e Aristóteles defendiam a escravidão, era porque ela era condenada pelos Sofistas!]

 

...

 

Uma das altercações mais raivosas dos anos recentes envolveu a cabeça do poeta morto T.S. Eliot. Foi lançada por um livro polêmico do crítico (e advogado) Anthony Julius, que usou, como provas, comentários feitos por Eliot em conferências an­tigas (depois suprimidos) e versos dos poemas para demonstrar que o poeta era antissemita [Osório diz: isso não impede os judeus de: imprimirem e venderem as obras de Eliot!]. As provas, muitos analistas objetivos rebatem, são inconclusivas. Eliot já foi defendido com a mesma ferocidade com a qual foi denunciado. Mas a poeira levantada pela altercação ainda não se assentou, e provavelmente nunca vai se assentar. (p. 259)

 

...

 

Pegue, num exemplo de como a literatura percorre cami­nhos que outras formas de discurso temem trilhar, o romance A marca humana (2000), de Philip Roth.

...

 

Como romancista, Roth não é de ficar inibido.

 

...

 

A América foi construída substancialmente, a partir do nada, por energia escra­va, seres humanos importados da África de forma involuntária (isto é, aqueles que sobreviveram à chamada "travessia"), algo visto agora como um dos grandes crimes da humanidade contra a humanidade. [Osório diz: pelo qual apenas os “alemães” são responsáveis a indenizar!] Toni Morrison, por exemplo, abre seu romance Amada (1987) com a epígrafe:

 

Sessenta milhões e mais

 

Essa epígrafe provocou enorme controvérsia por aludir, como se supôs em geral, aos ("meros") seis milhões de judeus assassinados no Holocausto e sugerir a existência de holocaustos maiores que os americanos optavam por ignorar. A narrativa de Morrison centra-se num fantasma, da era da escravidão, que nunca poderá ser exorcizado e nunca deveria ser ignorado. (p. 260)

 

...

 

Uma sangrenta guerra civil foi travada para abolir a escravidão americana. Supõe-se que Abraham Lincoln tenha comentado, ao conhecer Harriet Beecher Slowe, autora de A cabana do pai Tomás, que gostaria de apertar a mão da pequena mulher que havia iniciado a grande guerra. (p. 261)

 

...

 

Podem uma ficção – ou poesia – assim enraizada, ou autores assim assalariados, ser verdadeiramente independentes? Ou ainda existem grilhões coloniais retinindo ao fundo? (p. 262)

 

...

 

Ornette Coleman foi pioneiro nos anos 1960.

 

...

 

Toni Morrison insistiu em manter uma diferença raivosa. Essa raiva arde em intensidade máxima num de seus primeiros romances, Pérola negra (1981), no qual um dos personagens conclui: "Brancos e negros não deveriam se sentar para fazer uma refeição juntos ou qualquer uma dessas coisas pessoais na vida". Em uma conferên­cia na época, a própria Morrison declarou sem rodeios: "Nunca na minha vida me senti americana. Nunca". Com o passar do tempo, em especial depois de ganhar o Prêmio Nobel de Litera­tura em 1993, seus comentários sobre raça se suavizaram, mas nunca a ponto de ela ter passado a se ver como "americana" em vez de "afro-americana". Um senso raivoso de separação racial incendeia sua obra como um todo. (p. 264)

 

 

CAPÍTULO 36

 

Realismos mágicos

 

BORGES, GRASS, RUSHDIE E MÁRQUEZ

 

O termo "realismo mágico" se tornou corrente nos anos 1980. De uma hora para outra, todos pareciam mencioná-lo com conhecimento de causa nas conversas sobre a última novidade na litera­tura. Mas o que significa esse termo esquisito? À primeira vista, "realismo mágico" parece ser um oximoro, combinando à força dois elementos tradicionalmente irreconciliáveis. Um romance é "ficcional" (nunca aconteceu), mas também "verdadeiro" – isto é, "realista". (...). O mesmo se deu nos Es­tados Unidos, onde a tendência dominante seguiu a determinação de Ernest Hemingway de apresentar a vida "como ela é". [Osório diz: faz tempo que o termo foi cunhado! (será que agora já é ex-cunhado? Kkk] (p. 266)

 

...

 

Na verdade, variedades do realismo mágico já circulavam por quase meio século antes da década de 1980. Podemos iden­tificar um bom número de obras brincando com a ideia de um modo experimental, na fronteira entre a literatura e a arte. Mas foi só na reta final do século XX que o realismo mágico decolou como um gênero literário poderoso. (p. 267)

 

...

 

O argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) foi o primeiro realista mágico a conquistar renome mundial nos anos 1960.

 

...

 

O termo técnico é "hipertimesia", ou "memória autobiográfica superdesenvolvida" (HSAM).**

** Highly superior autobiographical memory. (N.T.) (p. 268)

 

 

(A ficção científica é uma estimada fonte de pilhagem para Rushdie.) (p. 269)

 

...

 

O mais controverso e provocativo dos romances de Rushdie, Os versos satânicos (1988), começa com um avião de passageiros sequestrado que, tendo partido da Índia, explode em pleno ar sobre a Inglaterra. Dois dos passageiros, Gibreel Farishta e Saladin Samsa (um com associações indianas, e o outro, mu­çulmanas) caem na terra de uma altura de nove quilômetros. A primeira frase do romance é "Para nascer de novo ... primeiro você precisa morrer". Eles não morrem. Aterrissam na praia em Hastings, como fizera outro estrangeiro, Guilherme, o Conquistador, em 1066 [Osório diz: quem é?]. (p. 270)

 

Günter Grass parte de um lugar diferente para chegar a um destino similar. Ele nasceu em 1927 e cresceu na era nazista. Quando iniciou sua carreira como autor, dava por certo que a ficção alemã precisava começar, depois de 1945, de uma nova estaca zero. "O passado deve ser superado", disse Grass. Sem o passado, o que pode fazer um escritor?

 

...

 

Saramago (1922-2010) foi um marxista que viveu a maior parte da sua vida na ditadura fascista mais duradoura da Europa, a de Portugal, que durou até 1974. Mesmo após a derrubada (Ia ditadura ele foi perseguido, e terminou a vida no exílio.

 

...

 

Se não é realismo mágico, é algo tão, aproximado que não faz diferença. (p. 271)

 

CAPÍTULO 37

 

República das letras

 

LITERATURA SEM FRONTEIRAS

 

...

 

(a palavra "saga", que quer dizer “história contada” vem do escandinavo antigo que os islandeses falavam e ainda falam). [Osório diz: as coisas se tornam tão fáceis quando explicadas! Tem “bestas humanas” que falam saga para constranger o interlocutor, quando, na verdade, se não fossem tão pedantes...] (p. 273)

 

...

 

Napoleão supostamente comentou em relação à China: "Deixem-na dormir, pois, quando o dragão acordar, vai abalar o mundo". [Osório diz: será que o grande estrategista era também profeta?]

 

...

 

O terceiro exemplo é o de Haruki Murakami. (p. 275)

 

...

 

A empresa não vendia só notícias nesse período: a partir de 1860, administrou uma biblioteca de circulação. Você podia alugar um dos romances de Dickens no estande da Smith na Euston Station, lê-lo na viagem de dez horas até Edimburgo e, na chegada, devolvê-lo no estande da Smith na Waverley Station. [Osório diz: muito bom! O Brasil, acaba de instituir a Política Nacional de Leitura e Escrita por meio da “LEI Nº 13.696, DE 12 DE JULHO DE 2018”, cujo “Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Leitura e Escrita como estratégia permanente para promover o livro, a leitura, a escrita, a literatura e as bibliotecas de acesso público no Brasil."  Veja algo sobre a referida lei em http://osoriobarbosa.com.br/index.php/ideia/curisidades/item/1902-lei-da-politica-nacional-de-leitura-e-escrita-alvissaras]

 

...

 

Anthony Trollope, (...) The Way We Live Now,* (1875) um título significativo -, num navio a vapor para os Estados Unidos, a Austrália e a Nova Zelândia. [Osório diz: a revolta da Cabanagem, ocorrida no Pará, entre 1835-1840, será que usava navios a vapor? Se alguém souber, por favor, me diga.]

* O modo como vivemos agora. (N.T.) (p. 277)

 

...

 

O novo internacionalismo foi selado com acordos internacionais de direitos autorais (Capítulo 11).

 

...

 

Tudo isso soa meio "admirável mundo novo" demais. Mas resta um problema traiçoeiro: a língua. A música popular pode cruzar fronteiras linguísticas e ser apreciada por públicos que não sabem, ou nem querem saber, o que significam as palavras. A literatura não pode. Se lhe tirarmos as palavras, não sobra nada. Tradicionalmente, a literatura costuma ser parada na fronteira, quando a língua muda. Só uma quantidade minúscula de lite­ratura estrangeira consegue atravessar a barreira da tradução.

 

A tradução (a palavra significa literalmente "conduzir além") é uma tarefa complicada e, muitas vezes, ineficaz. Pergunte quem são os escritores mais importantes do século XX: na certa o nome de Kafka será mencionado. Mas a primeira tradução inglesa de um romance de Kafka (um texto incompleto) só se fez dispo­nível dez anos depois de sua morte.

 

...

 

o tradutor, (p. 278)

 

...

 

a tradução é intrinsecamente imperfeita. Anthony Burges – tanto escritor como linguista – escreveu que "Traduzir não é só uma questão de palavras: é uma questão de tornar inteligível toda uma cultura". Um comentário sagaz é atribuído com frequência ao poeta americano Robert Frost: "A poesia é aquilo que se perde na tradução". [Osório diz: bom!].

 

...

 

Num aspecto, para nossa tristeza, a tradução é um proble­ma cada vez menor para a literatura mundial . Os linguistas nos informam que uma língua "morre" a cada duas semanas; suas pequenas literaturas do passado, e de modo mais pungente as do futuro, morrem com elas. Na era moderna, o inglês seguiu o poder mundial e é, agora, a "língua mundial" — tão dominante como foi o latim dois mil anos atrás. O fato de que o século XIX foi o "século da Grã-Bretanha" e o XX foi o "século da América" equivaleu à dominação de duas potências mundiais separadas, como definiu George Bernard Shaw, "por uma língua em co­mum". O século XXI poderá muito bem mudar isso. (p. 279)

 

...

 

Capítulo 38

 

BEST-SELLERS E LIVROS CAÇA-NÍQUEIS

 

Há mais "grande" literatura prontamente disponível a nós agora do que uma pessoa qualquer conseguirá absorver numa vida inteira por mais ambiciosa e aplicada que seja - e a pilha continua aumentando a cada ano que passa. A literatura é uma montanha cujo topo jamais será alcançado por nenhum de nós; teremos sorte se conseguirmos atravessar o sopé mais baixo, seguindo nossa trilha escolhida com o máximo cuidado possível, à medida que o pico acima vai se mostrando cada vez mais alto. Para ficar apenas com os autores mencionados neste livro, até os mais lidos entre nós passarão pela vida sem ter lido todas as 39 peças de Shakespeare (me declaro culpado de vacilar um pouco com Péricles), ou toda a ficção de Jane Austen, ou todas as palavras que Tennyson ou Dostoiévski publicaram. Tanto não podemos ler tudo (ou sequer uma grande amostra) da literatura como não podemos colocar todos os produtos de um supermercado no nosso carrinho. [Osório diz: Péricles?!]

 

Mas há uma magnitude ainda maior a enfrentar: a lite­ratura não tão grande assim. De acordo com o (distinto) autor americano de ficção científica Theodore Sturgeon, "Noventa (p. 281) por cento [da ficção científica] é lixo. Por outro lado, noventa por cento de tudo é lixo. Existem perto de dois milhões de vo­lumes classificados como "Literatura" nas galerias da Biblioteca Britânica e da Biblioteca do Congresso americano. Em média, uma pessoa letrada lê seiscentas obras de literatura ao longo da vida adulta. Se formos honestos, uma grande porção desses seiscentos livros será formada, para a maioria de nós, por aquilo que Sturgeon descarta como "lixo". Se você der uma olhada em volta no salão de embarque de qualquer aeroporto, com as pessoas matando as horas da espera (com, um medo primitivo lhes diz, o que pode ser o último livro que leem na vida), é bem provável que você acabe vendo mais Dan Brown e Jilly Cooper do que Gustave Flaubert ou Virgínia Woolf.

A vencedora de 2012 dos prêmios de ficção Booker e Costa (mais a respeito no Capítulo 39) foi Hilary Mantel, por seu romance histórico O livro de Henrique, que vendeu num espaço de seis meses, perto de um milhão de cópias – nenhum vencedor anterior, em cinquenta anos, gozara de tamanho sucesso nas vendas. Mas façamos uma comparação com as dezenas de milhões de cópias que E.L. James vendeu no mesmo período de seu bonkbuster* (o apelido irreverente do gênero) Cinquenta tons de cinza. Nem é preciso dizer que este último não venceu qualquer prêmio literário importante e só ganhou a zombaria universal. A sra. James, sem dúvida, chorou no caminho todo até o banco (ela confidenciou, de modo um tanto encantador, que usaria seus milhões para reformar a cozinha).

*Mistura de bonk ("transar", "trepar") com blockbuster ("arrasa-quartei­rão"). (N.T.)

 

...

 

Podemos interpretar esses números de duas maneiras. Críticos de espírito puritano veem neles uma evidência da depra­vação cultural incorrigível daqueles que o dr. Johnson chamou de "leitores comuns" (o dr. Johnson, aliás, não os desprezava). (p. 282)

 

...

 

As editoras fazem com que as vendas da literatura "in­ferior" paguem pela "superior". [Osório diz: diz-se que o Victor Civita dizia isto! Ele afirmava, dizem, que o “Tio Patinhas, pagava a coleção Os pensadores”!]

 

...

 

Se mantivermos a mente aberta, fará mais sentido chamar o que não é "superior" (ou "clássico", ou "canônico", ou "de qualidade") de literatura "popular" em vez de "lixo". "Popular" indica "do povo" – isto é, algo que não vem de instituições como a Igreja, as universidades ou o governo. (p. 283)

 

...

 

O romance é o gênero popular por excelência. Quando acerta no alvo, nunca deixa de estimular o consumo "acrítico". Podemos verificar isso nos primórdios do gênero. Quando Samuel Richardson publicou Pamela (1740), sua narrativa sobre uma e bela criada perseguida pelo empregador lascivo, o livro deflagrou uma "febre" – sobretudo entre as leitoras da época.

 

...

 

O termo "best-seller" é de cunhagem relativamente recente (o primeiro uso registrado é de 1912), assim como a lista de mais vendidos. A primeira parada de sucessos do tipo apareceu na América em 1895. Uma das persistentes ansiedades britânicas em relação ao "bestsellerismo" é que ele representa uma "americanização" indesejada – o best-seller é um típico “livro americano”, bom para os Estados Unidos, mas não para o resto do mundo. [Osório diz: exceto no Brasil, onde “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, como disse um certo canalha].

 

...

 

"Stephen King mais recente" (nas capas, o nome dele é invariavelmente maior do que o título de sua obra mais recente) porque gostaram das obras anteriores do autor. [Osório diz: tem sempre alguém para observar os detalhes!]

 

...

 

A lista de mais vendidos, se pensarmos bem, não serve apenas para classificar as vendas, mas também para estimulá-las, colocando em movimento uma espécie de "efeito manada". Você lê um best-seller porque todas as outras pessoas o estão lendo. Com a manada tendo começado a galopar, os mecanismos ha­bituais de escolha e "discriminação" (certa reflexão cuidadosa sobre o que ler) são atropelados. O código Da Vinci, quando publicado em 2005, recebeu resenhas negativas quase universais. No entanto, por dois anos, vendeu mais do que qualquer outro romance. A manada ribombante, como sempre, votou com seus cascos. E com suas carteiras. [Osório diz: opinião sobre os leitores!] (p. 285)

 

... 

 

Os miseráveis é um bom exemplo. Victor Hugo publicou sua história da luta épica do prisioneiro 24601 contra o inspetor Javert, com o pano de fundo das intermináveis convulsões políticas francesas, em 1862.

 

...

 

Ninguém definiria Os miseráveis, de Victor Hugo, como qualquer coisa menos do que popular. Tampouco, se formos honestos, poderíamos chamá-lo de "grande literatura". Entra na categoria dos livros que George Orwell chamava de "bons-ruins". Todas as adaptações do romance original, de diferentes maneiras e com diferentes graus de fidelidade, conservam o ele­mento central: a longa rixa entre o prisioneiro e seu carcereiro e a mensagem social do romance original, a "asfixia social" que, segundo Hugo, é a causa dos crimes (no caso de Jean Valjean, o roubo de um pão para sua faminta família).

 

...

 

O que dizer da poesia? De modo irrefletido, podería­mos imaginar que ela é sempre do interesse de uma minoria, confinada a "revistas pequenas", volumes finos e uma elite de leitores altamente qualificados. "Poesia best-seller", poderíamos argumentar, é uma contradição nos termos – como "camarão gigante".

 

...

 

A obra isolada mais influente da história do gênero é provavelmente o volume das Baladas líricas de Coleridge e Wordsworth. É útil desenraizar os significados dessas palavras. "Líricas" remete a um instrumento musical antigo, a lira – precursora do violão (Homero, segundo a suposição tradicional, recitava suas epo­peias com acompanhamento de lira). As "baladas" remontam a "dança" (como remonta também o "balé"). O que são as letras de Bob Dylan, então, cantadas junto a seu violão? O que são os vídeos de dança e música de Michael Jackson, ou de Beyoncé? O que são as gravações de cada nova geração das baladas de Cole Porter? Não é um exagero tão afrontoso assim, para quem tem uma mente crítica aberta, ver tanta "literatura" na música popular quanto havia naquele fino volume de 1802 das baladas de Coleridge e Wordsworth. Dito de outra forma, procure bem e você acaba encontrando pérolas no lixo.  (p. 287) [Osório diz: aqui o autor põe em dúvidas a existência de Homero que, a meu sentir, não difere em nada da de Shakespeare! Melhor: este era inglês!]

 

 

CAPÍTULO 39

 

Quem é o melhor?
<![if !supportLineBreakNewLine]>
<![endif]>

PRÊMIOS, FESTIVAIS E GRUPOS DE LEITURA

 

...

 

Uma coisa que todos esses prêmios têm em comum é que não especificam com grande precisão a qualidade que recompensam, ou por meio de quais critérios realizam seus julgamentos. Os jurados e os comitês dispõem de carta branca para escolher aquele que consideram o trabalho mais meritório.

 

...

 

por que precisamos dessas premiações? Apresentam­-se respostas em bom número. A mais convincente é a de que vivemos numa era de competição, na qual "vencer" é importan­tíssimo. (p. 289)

 

...

 

Outra razão para essa obsessão atual com prêmios é a impaciência. Como George Orwell observou, o único juiz com legitimidade para dizer se uma obra de literatura é boa em qualquer medida ou não é o tempo. No momento em que a literatura nos aparece, somos péssimos avaliadores de quão boa ou ruim ela é. Isso inclui os resenhistas, [Osório diz: o que seria eu, Osório, no caso? Rs.] (p. 290)

 

...

 

Quais são, então, os melhores prêmios literários?

 

O comitê do Prêmio Nobel sempre se viu como tendo influência na política internacional. Optando por conceder prêmios a Boris Pasternak e Alexander Soljenítsin, tinha plena noção de que a URSS nunca lhes permitiria que fossem receber a honraria. [Osório diz: o que Pasternak tem em português?] (p. 292)

 

...

 

Com pragmatismo anglo­-saxão, os organizadores do prêmio não veem o menor problema no acordo que fazem com o capitalismo. [Osório diz: a pureza da impureza!] (p. 293)

 

...

 

"estande de livros".  (p. 294)

 

 

CAPÍTULO 40

 

A LITERATURA ENQUANTO VOCÈ VIVER... E ALÉM

 

O "livro" impresso – uma coisa física feita de papel, tipologia, tinta e papelão – já está por aí há mais de quinhentos anos. Prestou um serviço maravilhoso à literatura: empacotou-a em formatos baratos (às vezes lindos) que ajudaram a sustentar a alfabetização em massa. Poucas invenções duraram mais tempo, ou fizeram mais bem. (p. 295)

 

...

 

Na duração de uma única vida — a minha, por exemplo —, a escassez foi substituída por um embaraço de opções. (p. 297)

 

...

 

Em se tratando de literatura, diz William Gibson (pioneiro do gênero de ficção científica "cyberpunk"), somos "vermes no queijo". Nenhum verme vai consumir o queijo in­teiro, e o túnel que o verme vai abrir sempre será diferente do túnel de qualquer outro verme.

 

...

 

Além de qualquer outra coisa, nos dias de hoje nós precisamos ser educados para o uso e investimento inteligente do empo. Isso, e não dinheiro, é o que vai nos faltar no futuro. De quanto tempo um trabalhador comum dispõe para a cultura, em sentido amplo, numa semana normal? [Osório diz: de quanto? O capitalismo diz que de nenhum! Cultura é coisa que entorta a cabeça das pessoas, tanto assim que elas pensam que podem ter melhores condições de vida!]

 

...

 

Atualmente, estamos num momento de transição, "de ponte", no nosso mundo literário. O formato eletrônico de "livro falso" ao qual nos agarramos é um exemplo daquilo que o crítico Marshall McLuhan definiu em sua teoria do espelho retrovisor. O que ele queria dizer é que nós sempre olhamos para o novo pensando no velho. Não largamos o passado pois ficamos nervosos em relação ao futuro, ou porque somos inseguros ao lidar com ele. Vêm à mente as crianças e seus cobertores inseparáveis. (p. 298)

 

...

 

Por que razão as páginas dos livros têm margens tão amplas – por que é que a impressão não avança mais para perto das quatro bordas? Porque os pri­meiros livros manuscritos deixavam espaço para comentários e anotações marginais. Ainda temos as margens, embora poucos façam uso delas para escrever notas, e as bibliotecas ficam furio­sas quando isso acontece. É um exemplo perfeito da teoria do espelho retrovisor. (p. 299)

 

...

 

 

 

 

 

 

 

A literatura interativa, que exige do leitor mais cooperação do que consumo passivo, já é uma presença. Para o futuro, po­demos esperar aquilo que Aldous Huxley, em Admirável mundo novo (Capítulo 30), chamou de "feelies" – isto é, narrativas, poemas e peças que são multissensoriais: sentidas, cheiradas, ouvidas, vistas.

...

 

A "nova embalagem" é a terceira das grandes mudanças cli­máticas que vão remodelar a literatura. Um dos movimentos mais interessantes nessa direção fica evidente na ascensão explosiva de "fanfics" na web. A fanfic (ficção de fã) é criada, como sugere o nome, por fãs que ou querem mais de suas ficções favoritas ou então querem mais derivações delas. (p. 300)

 

...

 

A fluidez (por assim dizer) original da literatura está sendo recuperada. Acho isso empolgante. [Osório diz: a fluidez pelo fixo (a escrita) é mais uma demonstração do erro de Platão!] (p. 301).

 

(Fonte: John Sutherland (“Uma breve história da literatura”, tradução de Rodrigo Breunig, L&PM, Porto Alegre: 2017, p. xxx)

 

Agora é sua vez, leia a obra para:

 

1 – aprender com ela,

 

2 – gostar dela,

 

3 – concordar comigo,

 

4 – me corrigir e,

 

5 – me criticar.

 

Estou esperando.

 

Boa leitura!

Você está aqui: Home | Livros | Livros que Li