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A lei (O difícil julgamento da lei).

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A lei.

(O difícil julgamento da lei)

 

Inicialmente já nos sentimos na dificuldade de julgar entre o título e o subtítulo acima para darmos título a este escrito!

 

 

Há cerca de 13 anos começamos a estudar a Sofística grega (e somente existe ela, a despeito de 700 anos depois do século V, quando ocorreu o Iluminismo grego, alguns, sob o Império Romano, terem batizado um movimento do qual participavam de “Segunda Sofística”, mas que, tirando o nome e poucos aspectos, tem muito pouco a ver com o movimento liderado por Protágoras, Górgias e outros poucos) e nunca mais saí dela! Quando mais estudo, mais sou atraído, mais gosto e mais me encontro ao me perder!

 

Hípias, um expoente do movimento grego, disse: “A lei é o tirano dos homens”.

 

Eis que, em meados de 2015, acabo de ler o artigo “Tudo dentro da lei...”, que diz:

 

NOSSA AGREMIAÇÃO RECEBEU PROPINAS PAGAS A OBRAS NÃO REALIZADAS E CONTRATOS SUPERFATURADOS, MAS TUDO IMPECAVELMENTE APROVADO PELOS TRIBUNAIS DA TERRA E DOS CÉUS

 

Somos legalizantes, legalistas, legalóficos e legalomaníacos. Cremos que a vida social e seus costumes mais arraigados; ou os seus laços mais sagrados, mudam com a lei.

 

Mudamos a lei para não mudar o nosso conforto e a nossa perene má-fé. Em outras palavras, para não segui-la.

 

Vivemos recessão, inflação e depressão causadas pelos nossos projetos onipotentes, mas tudo dentro da lei. Ficamos imensamente ricos roubando contratos e emitindo notas falsas, mas de acordo com um programa e, é lógico, dentro da lei. Ultrapassamos todos os limites dos nossos papéis de administradores temporários dos bens públicos e confundimos nossas vidas com instituições do partido e do Estado, mas de acordo com a lei.

 

A mentira em nome do povo tem sido a nossa moeda corrente, mas tudo dentro da lei.

 

Preferimos dar cargos públicos a gente nossa, gente boa, gente do nosso coração, alijando pessoas capacitadas, mas tudo dentro da lei. Encorajamos a confusão entre o pessoal e o público, o local e o nacional, o nacional e o internacional, mas tudo dentro da lei. Tentamos controlar a maquina pública naquilo que ela pudesse nos prejudicar e em tudo que ela pudesse nos ajudar, mas tudo dentro da lei.

 

A lei nos agasalha, protege, guia e nos ajuda a acusar, a patrulhar e a perseguir os nossos inimigos.

 

Somos, acima de tudo, legais.

 

Bons companheiros e camaradas. Amigos de cofre e de mesa, de boa arte e comidas. Tudo dentro da lei. Transformamos interesses pessoais e partidários em leis e instituições, dentro da lei.

 

Combatemos o bom combate eleitoral usando tudo o que estava e não estava ao nosso alcance, mas dentro da lei. Rigorosamente dentro da lei. Nossa agremiação recebeu propinas pagas a obras não realizadas e contratos superfaturados, mas tudo dentro da lei. Tudo impecavelmente aprovado pelos tribunais da Terra e dos céus.

 

Aliás, antes de existir o mundo, as pessoas, os bichos, o vasto oceano, as montanhas, as tempestades; os terremotos, as cheias e as secas; a neve, a chuva e o sol de rachar. Antes da praia e do mar azul que poluímos; antes do arroz com feijão, da pipoca, do pirão, do peixe frito e da empada. Antes do cachorro-quente, do circo, da novela, da bossa nova e do carnaval. Antes da guerra, das grandes e pequenas batalhas, inclusive as de confete. Antes da tortura e da Abolição da Escravatura. Aliás, antes mesmo da Linha de Tordesilhas que dividia o mundo entre Espanha e Portugal; e antes do Brasil, havia a lei.

 

Ela nasceu de um buraco negro e criou a realidade. Construindo-a, ela permite desfazê-la. A nosso gosto e prazer, é claro. Sem amor ou ódio, sem proposito ou alvo, pois a lei é paras todos. Mas, como diz a própria lei, ela é mais para nós do que para eles.

 

Nossa fraternidade — há quantos anos eu te conheço? — é melhor e, sejamos legais, muito mais honesta e correta do que a deles. A lei pende sempre para o nosso lado, mesmo que ela tenha essa mania estúpida e liberal de ser para todos.

 

Seria ilegal tratar o querido companheiro como todo mundo. Como reza a lei, a igualdade não é possível. A honestidade, então, nem é bom falar. Ambas são um ardil liberal-capitalista desenhado pelo mercado. Ouça uma coisa e espalhe outra. Assim criaremos um mundo mais justo e perfeito. A boa-fé e a verdade são para o outro mundo.

 

No mundo do poder pode-se até mesmo esquecer e anular os crimes e a História, desde que seja dentro da lei. A prescrição como figura legal é uma engenhosa máquina do tempo.

 

Com ela, fazemos o tempo retornar para anular crimes. Até Hitler teria sua prescrição especial e compreensiva entre nós.

 

Lei, lei, lei e lei. Contra a verdade, a lei. Contra a ingenuidade, a lei. Contra o outro, a lei. Contra a boa vontade, a lei. Não insistam: nosso maior adversário não são o crime e a ausência de responsabilidade pública encapsulados imbecilmente como um moralismo barato e de direita: é a lei. Vamos revogá-la? Jamais. Vamos, isso sim, reformá-la e usá-la em nosso benefício como sempre temos feito. O legal é maior que o justo e o real.

 

Adoramos a lei em sua majestade paragrafada, subdividida em sentenças claras, escrita por linhas tortas, mas sempre certas quando nós a temos nas mãos e a aplicamos. Na mentira, na hipocrisia e, acima de tudo, na desfaçatez, fiquem sempre com a lei e pela lei.

 

Somos por todas as legalidades, inclusive e sobretudo pela legalidade da ilegalidade.

 

Somos um dos países mais corruptos, injustos e desiguais do mundo, mas temos um orgulho: estamos sempre dentro da lei!

 

Fonte: "Tudo dentro da lei...", por Roberto DaMatta, O Globo, 03.06.15.

 

DaMatta está atraso em relação aos seus contemporâneos sofistas apenas em 2.500 anos, mas parece está fundando a “Terceira Sofística”! Mas, antes tarde do que nunca.

 

Verdade a parte, vamos às brincadeiras.

 

O homem, esse pervertido natural, costuma deturpar tudo que está ao seu redor. Não foi diferente com a lei.

 

Ele que constrói também é capaz de colocar de cabeça para baixo (de ponta-cabeça) sua própria obra, especialmente quando essa se volta contra seus interesses.

 

Inicialmente, talvez não exista uma obra mais fundamental para a vida do homem em sociedade do que a lei.

 

Obedecer a lei da cidade da qual se é cidadão era um imposição básica para a própria existência, ensinava Protágoras, o mais conhecido dos sofistas.

 

Deus fez todos os homens livres, e a Natureza não fez nenhum homem escravo”, disse Alcidamas, outro sofista.

 

Entretanto, Platão e Aristóteles, que estavam ao lado dos escravagistas, diziam que a “escravidão era algo natural”!

 

Felizmente, nesse e em muitos dos outros de seus perniciosos pensamentos, a dupla queridinha da filosofia acima nominada foi derrotada.

 

Veio a democracia, que a dupla também combatia, e ao povo foi entregue a atribuição de fazer a lei, privilégio que, até então, pertencia à oligarquia aristocrática, da qual a família de Platão, e ele, consequentemente, são representantes máximos.

 

Com a democracia veio a busca pela igualdade, e dentro da igualdade estava embutida a igualdade econômica. Isso foi mexer em vespeiro. Ninguém quer dividir riqueza, apenas acumulá-la cada vez mais e sempre.

 

Foram atacados, por esse ideal “absurdo” da igualde, conjuntamente, a lei e o povo que a editava, ou seja, os democratas.

 

Como os aristocratas eram minoria mas tinham recursos financeiros à sua disposição, perceberam como a “máquina fazedora de lei” estava funcionando e se reuniram para apoderar-se dela. E conseguiram.

 

A lei que, no princípio, com seus primeiros editores, veio para libertar, voltou a ser produzida pelos escravizadores, como queria Platão!

 

Eis um resumo de como ocorreu a perversão!

 

A lei é fixa, mas seu conteúdo é maleável.

 

A lei é fixa, mas seu conteúdo é maleável e sua interpretação mais maleável ainda!

 

Portando, a lei que liberta é a mesma que escraviza!

 

Os próprios gregos, nos conta Heródoto, orgulhavam-se de serem governados pela lei e não por homens.

 

Os sulafricanos lutaram dando suas vidas para destruírem a lei do “apartheid”.

 

A mesma lei, portanto, com conteúdos tão diversos!

 

Não vamos entrar no mundo da interpretação para não nos perdemos, como me perdi com os Sofistas (embora com eles tenha me encontrado!), fiquemos apenas com uma frase que parece mentira mas é verdadeira: “a lei é interpretada assim: para os amigos seus favores, para os inimigos seus rigores e para aqueles que não são nem amigos nem inimigos, simplesmente a lei”. Infelizmente.

 

Portanto, o problema não é a lei, mas seu conteúdo e seus intérpretes, estes sempre tendo em uma das mãos uma balança e na outra... a espada! O que é uma simbologia muito interessante pois, mesmo que a balança falhe, a espada funcionará do mesmo jeito!

 

Portanto, quem avisa, muitas vezes, inimigo é!

 

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