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Os sofistas e os Direitos Humanos.

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Na evolução do pensamento dito ocidental, encontramos um grupo de pensadores, conhecidos por sofistas (palavra que, originalmente, significa sábio), que fez a ponte, ou ponto de transição, do pensamento pré-socrático (dos filósofos da natureza) para o pensamento de Sócrates e seus pósteros (filósofos éticos, pode-se dizer), os quais são quase que totalmente esquecidos, ou ignorados, quando não desprezados e difamados, pelos historiadores da filosofia.

 

 

Foram os sofistas (e Sócrates era um deles), que como se poderia dizer, utilizando-se de uma imagem do voleibol, que “levantaram a bola para que Sócrates cortasse e marcasse o ponto”, pois foram eles que abandonaram o estudo da natureza e voltaram-se para estudar o homem.

 

A difamação dos sofistas começou com Platão (talvez com o próprio Sócrates, a partir do que ele fala nos diálogos que Platão atribui a seu mestre), passando por Aristóteles e seguintes. No evoluir do desprezo devotado aos sofistas, o sua própria denominação veio a tornar-se sinônimo de enganoso, falso, logro.

 

Será que os sofistas, realmente, merecem receber a carga negativa que acompanha seus pensamentos?

 

Não podemos, obviamente, defender que os pensamentos por eles defendidos não merecem reparados, pois eram seres humanos, e, como ocorre com todos os demais pensadores surgidos até o momento, todas as suas doutrinas são passíveis de críticas. Ou seja, não são melhores, nem piores, aparentemente, iguais.

 

Não podemos esquecer que o pensamento sofístico consolidou-se durante o período democrático vivido pela cidade de Atenas, pois esses mestre, mediante pagamento, ensinavam seus discípulos a bem-falar nas assembléias e a defender seus pontos de vistas, fossem eles quais fossem.

 

Sócrates, Platão e Aristóteles nutrem ódio pelos sofistas, dentre outros, pelos seguintes motivos:

 

a) os sofistas defendiam a democracia;

b) os sofistas ensinavam mediante pagamento.

c) os sofistas defendiam que, que qualquer que fosse a causa, ela poderia ser atacada ou defendida.

 

Platão e Aristóteles, especialmente o primeiro, eram ferrenho adversários do regime democrático. Defendiam, como regime perfeito, a aristocracia.

 

Hoje, será que você, caro(a) leitor(a), tomaria o partido dos sofistas ou de Platão-Aristóteles? Defenderia a democracia ou a aristocracia?

 

Platão e Aristóteles pertenciam a famílias ricas. Sócrates, a despeito de aparecer na história como sendo homem sem posses (seu pai era escultor e sua mãe parteira), tinha filhos e mulher(s), mas, como os sustentava, se não trabalhava?

Podemos supor, pelo amor e admiração que o devotava, que Platão adotou economicamente a Sócrates, caso contrário, este tinha definhado de fome e não por tomar cicuta, já que, testemunha Aristófanes em sua obra As nuvens, Sócrates não era dado a outro trabalho além da conversa. Portanto, se não recebia por suas aulas (já que condenava quem o fazia), como ele conseguia se manter?

 

Aparentemente, é possível supor, Sócrates condenava nos outros o mesmo ato que praticava, ou seja, recebia por seus ensinamentos.

 

Platão e Aristóteles, como não precisavam, podiam se dar ao luxo de não cobrar por suas aulas e, o primeiro, até a pagar o seu mestre, que era pobre.

 

Senhor(a) leitor(a), hoje, alguém ousaria condenar um professor por receber seus parcos salários?

 

O tempo, mestre de todas as coisas, tanto neste, como no caso da democracia, deu razão aos sofistas.

 

Até hoje as causas continuam em aberto, ainda não se chegou a conclusões absolutas sobre nada, tudo é passível de discussão por ângulos e perspectivas diferentes. Os advogados estão aí para provar essa tese.

 

Um dos aspectos fundamentais a diferenciar o pensamento dos sofistas dos pensamentos platônico-aristotélico, e, aí sim, a precedência daqueles na defesa dos direitos humanos, concerne ao tema: ESCRAVIDÃO.

 

Platão e Aristóteles, além de discriminarem as mulheres, eram, especialmente, este último, ferrenho defensor da escravidão. Aristóteles defendia que uns homens nascem para serem livres, outros para serem escravos! Chegou a afirmar que os escravos não são homens, mas “ferramentas vivas”!

 

Os admirados dos dois venerados filósofos gregos os defendem com o seguinte argumento: “seus pensamentos são filhos de suas épocas”. Se pensaram descriminando as mulheres e defendo a escravidão é porque tinham a sua volta mulheres descriminadas e escravos aos borbotões.

 

Tal defesa somente pode partir de quem não quer enxergar.

 

Por ainda hoje admirarmos os dois pensadores (Sócrates também pode ser incluído, já que Platão tanto o admirava e seguiu em tudo), é que aquela defesa se mostra fruto de mero “sofisma” (no mau sentido). Eram eles tão evoluídos e pensaram tão adiante de seu tempo, que a filosofia atual (o pensamento atual) ainda é influenciado por Platão e Aristóteles, logo, não se pode admitir que foram filhos de suas épocas, que seus pensamentos são frutos de suas realidades.

 

Por fim, põe por terra qualquer possível defesa que se queira fazer de Platão e, fundamentalmente, de Aristóteles no que tange a escravidão, o seguinte pensamento do sofista Alcidamas: “Deus fez todos os homens livres, e a Natureza não fez nenhum homem escravo”1.

 

Alcidamas nasceu na cidade de Eléia e foi aluno de outro sofista, Górgias. A sua frase acima é considera ousada pelos modernos e quase todas suas citações podem ser encontradas na obra Retórica, de Aristóteles, logo, este as conhecia perfeitamente, não podendo ser defendido como sendo “vítima do seu tempo”. É por isso aliás, e para agravar a sua situação, que Carl Popperafirma que: “se ele defendia a escravidão, é porque existiam aqueles que a condenavam”. Dentre os que condenavam, como podemos ver, deve-se inscrever o nome, em letras indeléveis, do sofista Alcidamas, como se acredita ter demonstrado acima, o qual era conhecido do escravagista Aristóteles.

 

Estas, pois, as razões pelas quais a humanidade, se reconhecedora e agradecida fosse, elegeria Alcidamas como patrono dos Direitos Humanos.

 

Até mais,

 

1 GUTHRIE, W.K.C, Os sofistas, tradução de João Rezende Costa, Paulus, São Paulo: p. 287.

 

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