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Primeira Carta a Fernanda

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Menina,

Começo estas bem traçadas linhas dizendo-te, após desejar-te vida longa e saudável:

Nós os humanos, praticamente, não conhecemos “nada sobre nada”. Tudo está por fazer. Tudo está em aberto, como se diz.

 

Já ouviu alguém dizer “eu não sou dono da verdade”? Pois é! Quem diz isso está sendo absolutamente honesto, embora, muitas vezes, mesmo dizendo isto, esteja, por trás da capa querendo ser o dono da verdade.

A vida sobre a terra é muito antiga. Ninguém sabe como tudo começou. Tudo que se diz sobre o começo do mundo são teorias, e essas são pensamentos dos próprios homens para “tentar” explicar algo que eles mesmos não sabem ao certo.

Esse negócio de Adão e Eva (um deus teria criado os homens e mulheres) se a gente for pensar muito sobre o assunto verá que não é bem assim (depois te conto). Mas é muito difícil pensarmos “fora do pensamento” religioso, já que a religião impregna tudo, estamos cercado por ela por todos os lados, e por ela somos pintados. Respiramos religião!

Mas a religião é algo também inventado pelo próprio homem (depois te conto).

Tem uma teoria de um tal de big-bang (não confundir com os filmes de mocinhos e bandidos no oeste americano, chamados de bang-bang [som dos tiros de revólver]. Aliás, nesses filmes, a gente na verdade não sabe nem mesmo quem são os bandidos e quem são os mocinhos, pois uma hora uns são uns e outros são outros. Ou seja, quem a gente achava que era o mocinho é o bandido e quem era o bandido passa a ser o mocinho (depois te conto). Mas pela teoria do big-bang teria havido, há muitos anos (bilhões de anos), uma explosão de uma pequena coisa (que vamos chamar aqui de “esfera”) algo assim como uma “bolinha de gude”, para quem ainda a conhece. E essa bolinha de gude, com a explosão, está, ainda hoje, se expandindo (crescendo), sendo os planetas, por exemplo pedaços dessa bolinha. Acredite se quiser!

Agora, veja só, deus teria criado o homem e a mulher a cerca de milhões de anos.

O big-bang ocorreu há bilhões de anos.

Como você acha que essas notícias chegaram até nós?

É que a escrita (em sua forma rudimentar: escrito sobre tubuinhas de argila [barro]) foi inventada a apenas dois mil e quinhentos anos (2.500)!

Como se registrou o que aconteceu antes da escrita?

Naquela época não tinha computador! Nem jornal, nem sequer papel. Nem canetas bic.

Por aí você pode ver que o que nos contam pode não ser a verdade (ou não ter sido bem assim, pois saber o que é verdade é outra coisa que o ser humano ainda não soube responder o que é. O que é a verdade? Muitos já desistiram de tentar responder o que é isso [depois te conto]).

Mas, vamos em frente.

O homem começou a pensar sobre as coisas antes mesmo de pensar se ele era capaz de pensar!

Enrolei?

Mas é isso que fazem filósofos e religiosos: enrolam.

Quando chega num ponto em que eles não têm mais explicação, os religiosos apelam para o sobrenatural (o dito divino, deus) e os filósofos para uma linguagem que nem eles mesmos entendem.

Apareceu um cara, chamado Wittgenstein, que condenou “o mau uso das palavras”. Dizia ele que era esse mau uso que causava toda confusão. Ocorre que ele não foi capaz de descobrir “o bom uso das palavras”! De modo que temos que ficar com o que temos: as palavras.

Enrolei?

Mas vou tentar explicar a enrolação acima.

Quando eu disse que “O homem começou a pensar sobre as coisas antes mesmo de pensar se ele era capaz de pensar!”, quis dizer o seguinte: ele “foi lá e pensou”. Ele não se perguntou se os instrumentos de conhecimento de que dispunha (seu cérebro) era capaz de pensar. Isso só vai ser questionado muito depois.

O homem viu a água e disse que era líquida (não estava congelada nem tinha evaporado).

Viu a pedra e a pegou e disse que era dura e áspera.

À pétala de rosa disse que era macia.

E assim por diante.

Muito tempo depois veio um fdp (que significa fdp? Flor De Pessoa, obviamente) e levantou a questão: será que somos capazes de pensar? E se somos, pensamos corretamente?

Eis que o homem começa a refletir! Reflexão, no caso, é a volta do pensamento sobre si mesmo. É o pensamento se pensando!

Vamos voltar no tempo? Isso é possível?

Vamos voltar à minha infância em Maraã?

Veja só: minha mãe, certo dia, veio reclamar que o seu neto, e meu filho, Juarez quebrava todos os seus brinquedos.

Sob o impacto da queixa materna fiquei, também, a princípio, chateado e iria, na primeira oportunidade, repreender o pirralho.

Depois, pensando, me perguntei: por que ele faz isso?

Lembrei que eu também, um dia, fui criança! E quando "ainda era feliz e não sabia", lá em Maraã, costuma desmontar o único objeto de luxo que tínhamos em casa, um ventilador!

Desmontava-o e montava-o quase todo dia, tudo para observar como o danado funcionava. Meu pai, ao ver aquilo pela primeira vez, iniciou uma reclamação, mas, ao ouvir-me garantir que montaria o bicho de volta ("montaria o bicho de volta", dá a impressão, pela construção da frase, que eu estava andando a cavalo, por exemplo, mas não era isso, obviamente!) ele se conteve e prestou atenção de longe. Depois, com o passar das desmontagens montagens todos se acostumaram com aquele meu passa tempo curioso.

Esperei pelo Juarez e, quando o vi quebrar mais um brinquedo, perguntei-lhe:

- Meu filho, por que você quebra seus brinquedos?

A resposta foi, mais ou menos, a seguinte:

- Para ver o que eles têm dentro!

Matei a charada!

O Osório di Maraã, irmão mais novo do Juarez, tinha a mesma prática de quebrar seus caros brinquedos, para desespero, agora, de sua mãe. Porém, contei-lhe a história do Juarez e ela, que o tem por "um menino de ouro", se acalmou e, pensou, passando quase até a estimular as quebradeiras do Osório.

Pois bem, nós, seres humanos, somos assim, movidos pela curiosidade.

Quando começamos a ser curiosos? Isso, talvez, ninguém jamais responderá.

Digo talvez, porque pode ser que alguém invente a tal "máquina do tempo", aquela máquina que faria com que pudéssemos ver o nosso passado desde suas origens mais remotas, como tudo começou. Mas, enquanto isso não acontece, vamos apenas supondo que tenha sido assim como alguns explicam e nós acreditamos, até que surja uma explicação melhor.

É essa curiosidade quase que inata ao homem (Só ao homem? Você que é mulher me perguntará. Para não ficar repetindo homem e mulher, proponho a palavra “homulher”, para designar pessoas de ambos os sexos) que o move a querer saber das coisas. Embora, alguns, não sejam tão curiosos quanto outros.

As crianças gostam de saber os "porquês" das coisas e vivem perguntando, mas alguns adultos (a maioria), por não saber responder aos questionamentos que lhes são dirigidos dizem até que "é feio perguntar". Dizem isso para esconder o constrangimento de não terem respostas para as indagações ditas infantis.

(Depois te conto duas piadas. São elas de filhos que perguntaram a seus pais: “o que é homossexual” e “o que significa compensação").

Tenho um amigo de bar chamado Rei Naldinho, um motoqueiro em e de São Paulo, torcedor do Palmeiras.

Em bares discutimos todos os assuntos, aqueles sobre os quais achamos que entendemos e, especialmente, aqueles que não entendemos, que são todos.

Tinha um determinado assunto que o Rei Naldinho e alguns outros não admitiam discutir. Era assunto sobre os quais eles sequer permitiam que se iniciasse a discussão.

Certo dia, para minha surpresa, o assunto até então tido como tabu (aquele assunto sobre o qual não se discute, pois quem pode manda que todos se calem sobre ele, mas que fica formigando nas nossas cabeças) foi trazido à mesa, literalmente, pelo próprio Rei Naldinho.

Nos disse ele que, a partir das provocações, passou a se informar sobre o tema e tinha descoberto algumas coisas que o fizeram mudar de ideia sobre o assunto.

Axei aquilo fantástico e o parabenizei. Não por ter ele mudado de ideia, mas pelo fato de ter ido se informar, conhecer o assunto.

Conversa vai, conversa vem, o Rei Naldinho trouxe outro assunto, "Atlântida", que seria uma cidade perdida sob um oceano (uma cidade debaixo d'água!).

Ele participa de um grupo que faz do assunto "Atlântida" uma verdadeira religião!

Tentei argumentar com ele sobre o tema mas ele encerrou a conversa: "Não admito discutir isso. Acredito firmemente na existência de Atlântida". E saiu para ir ver se sua moto estava no lugar onde havia estacionado.

Atitudes como essas do Rei Naldinho são as que se acredita que, na antiguidade, todos tinham! Sobre isso eu falo, estudo. Sobre aquilo eu acredito, creio e pronto, não aceito discussão. Sobre o que acredito ser verdade não admito discutir!

Como vou discutir, por exemplo, sobre se deus existe, pois creio que ele existe!

Mas se você não discutir, dialogar com os outros, estudar, como é que vai se informar sobre determinado assunto?

Determinado medicamento, que hoje cura, amanhã pode se descobrir que é um verdadeiro veneno. Tinha um antigo, chamado “enteroviofórmio”, salvo engano, que “servia” para diarreia, a famosa caganeira. Tempos depois foi retirado do mercado pois causa mais mal do que bem!

Perdão pelo caganeira, mas, temos o mal de esconder as coisas atrás das palavras, e, assim, nos tornamos incompreensível!

Nádegas tem um nome popular pelo qual ela, quando se quer ser compreendido, é mais facilmente conhecida.

É chula tal palavra, dirão muitos, mas elas estão aí e são usadas e compreendidas por todos. Já as bacanas são compreendidas apenas pelos bacanas!

Mas voltando ao tema "Atlântida", por exemplo, ninguém sabe quem criou tal história sobre a referida cidade debaixo d'água, mas foi o filósofo grego Platão quem deixou algo escrito sobre ela.

Como Platão, infelizmente, é um filósofo muito respeitado por alguns, suas palavras são tomadas como "verdades", e sobre tais "verdades" não se discute.

Platão é novo na história do mundo! Antes deles existiram outros pensadores, dos quais, infelizmente, sobrou muito pouco, ou nada, de seus escritos.

Mas, apenas para início de conversa, imagine como foi construir tal cidade sob as águas! Que tecnologia foi usada? Como as pessoas comem, e, consequentemente, cagam o que comeram? Onde depositam tudo isso (seus dejetos)? Como respiram? São tantas as perguntas que não dá para acreditar “cegamente” em tal história!

Mas o tal Platão, para desacreditá-lo mais ainda, criou, também, um outro mundo, um tal "mundo das ideias", do qual o nosso mundo (este aqui onde vivemos) é uma mera cópia imperfeita!

O cara cria dois mundos, um sob as águas, outro das ideias, que só existe na mente não se sabe onde, e ainda tem gente que, passados 2.500 anos ainda acredita nisso?

Menos, Platão!

(Depois falaremos como Platão caiu como uma luva para as mãos das Religiões, que se preocupam mais com o outro mundo do que com esse, daí o seu ainda atual sucesso) .

Mas, em sua curiosidade (que será condenada por muitos), o homulher foi dando vazão à sua vontade de saber, conhecer as coisas. Percebeu que existem muitas perguntas para as quais não temos respostas, ou as respostas que são dadas não o satisfazem, pois trazem todas o germe (que tudo gera ou destrói) da sua contradição (elas mesmas se contradizem).

Talvez as primeiras perguntas que o homem se fez foram: de onde viemos? Para onde vamos? De que é feito tudo que existe?

Com essas perguntas sobre a origem de tudo criou uma ciência chamada de "ontologia" (que é uma palavra de origem grega, como muitas outras que usamos no nosso dia a dia e nem percebemos por serem mais comuns [dar exemplo em nota de rodapé], sobre a qual falaremos depois).

Feitas aquelas perguntas, teria o homem se perguntado: sou capaz de conhecer, de saber, de estudar, de aprender? Tenho instrumentos intelectuais (no meu próprio corpo) que me permitam isso?

Com essas outras perguntas criou uma outra ciência, a "epistemologia" (também palavra grega sobre a qual falaremos futuramente).

Se falarmos dessas palavras feias agora, corro o risco de espantá-la! Aqui ocorre algo assim como quem quer conquistar: a menina nunca diz para o menino que o seu tênis é ridículo, embora pense assim, pois se o disser, pensa que pode perder a oportunidade de ser agradável aos olhos do paquerado.

Então, é assim, ou mais ou menos assim, ou assim se crer, que começa a aventura do conhecimento dito racional (aquele que nos é dado por nossa razão).

(E é a razão que nos distingue de todos os outros animais, já que eles não a possuem, pois possuem apenas o "instinto": nascem e morrem fazendo a mesma coisa! Você jamais verá a "casa" [toca] de um animal, pássaro por exemplo, com elevador ou escada rolante).

O conhecimento de que hoje o homem dispõe não é linear (não foi feito em linha reta). Ele é como uma uma onda: vai e volta.

As vezes, um conhecimento que hoje é abandonado, amanhã será retomado e "reaproveitado". Outro, que hoje é tido como "verdadeiro", amanhã será abandonado como falso.

Ou seja, o conhecimento é feito de altos e baixos, como uma cadeia de montanhas!

Ou como uma montanha russa: uma hora estamos lá em cima, outra estamos cá embaixo.

A maior "besteira" que alguém disser hoje é, mesmo assim, muito importante, pois para podermos dizer se aquilo realmente é uma besteira temos que dizer o seu oposto, o seu contrário, mostrar onde está o seu erro, e isso é a beleza da aventura do pensar!

Para encerrar nosso papo de hoje, te digo Fernanda:

- Teu pai é um xato, querido, mas xato!

É legal, bacana mesmo ele querer lhe “dar” cultura, mas veja o que alguns dizem o que é cultura:

Cultura é tudo que fica depois que se esquece o que foi aprendido”. (Fonte: http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20090408223129AAmkwNK).

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Se cultura é tudo que fica depois de tudo esquecer, ser culto é saber reflectir, jogar com os conhecimentos de modo a criar algo de novo”. (Fonte: http://www.bulhoesproducoes.com.br/exibe_noticia.php?id=2903).

Cultura – é o conjunto de todas as atividades e de todos os produtos que são frutos da iniciativa e da genialidade do homem” (MONDIN, Battista, Definição filosófica de pessoa humana, EDUSC, Bauru-SP: 1998, p.11).

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Cultura (lat. Cultura)

1. Conceito que serve para designar tanto a formação do espírito humano quanto de toda a personalidade do homem: gosto, sensibilidade, inteligência.

2. Tesouro coletivo de saberes possuído pela humanidade ou por certas civilizações: a cultura helênica, a cultura ocidental etc.

3. Em oposição a natura (natureza) a cultura possui um duplo sentido antropológico: a) é o conjunto de representações e dos comportamentos adquiridos pelo homem enquanto ser social. Em outras palavras, é o conjunto histórica e geograficamente definido nas instituições características de determinada sociedade, designando “não somente as tradições artísticas, científicas, religiosas e filosóficas de uma sociedade, mas também suas técnicas próprias, seus costumes políticos e os mil usos que caracterizam a vida cotidiana” (Margaret Mead); b) é o processo dinâmico de socialização pelo qual todos esses fatos de cultura se comunicam e se impõem em determinada sociedade, seja pelos processos educacionais propriamente ditos, seja pela difusão das informações em grande escala, a todas as estruturas sociais, mediante os meios de comunicação em massa. Nesse sentido, a cultura praticamente se identifica com o modo de vida de uma população determinada, vale dizer, com todo o conjunto de regras e comportamentos pelos quais as instituições adquirem um significado para os agentes sociais e através dos quais se encarnam em condutas mais ou menos codificadas.

4. Num sentido mais filosófico, a cultura pode ser considerada como um feixe de representações, de símbolos, se imaginário, de atitudes e referências suscetível de irrigar, de modo bastante desigual, mas globalmente, o corpo social.

5. Cultura de massa é uma expressão, de uso ambíguo, frequentemente utilizada para designar a possibilidade de uma população ter acesso aos bens e obras culturais produzidos no passado e no presente, seja o processo de degradação”. (Dicionário básico de Filosofia, p. 61. Editora Jorge Zahar. Rio de Janeiro 1996. Hilton Japíassú e Danilo Marcondes).

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Cultura: o modo de vida de um povo, em que se incluem suas atitudes, valores, crenças, artes, ciências, modos de percepção e hábitos de pensamento e de ação. As características culturais das formas de vida são aprendidos, porém muitas vezes são demasiado abrangentes para serem facilmente detectáveis a partir de seu interior”. (Dicionário Oxford de Filosofia, p. 85. Simon Blackburn, Jorge Zahar. Rio de Janeiro, 1994.).

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"Cultura são as relações dos homens com a Natureza pelo desejo, pelo trabalho e pela linguagem, as instituições sociais, o Estado, a religião, a arte, a ciência, a filosofia. É o real enquanto manifestação do Espírito, Não se trata, segundo Hegel, de dizer que o Espírito produz a Cultura, mas sim que ele é a Cultura, pois ele existe encanro nela" (Marilea Caui, O que é Ideologia, Brasiliense, São Paulo: 1986, p. 35).

Então, não basta seu pai querer lhe “dar”, você tem que querer receber, estar disposta a isso.

Não acredito que inteligência se aprenda, mas acredito que o esforço, a perseverança e a vontade são as chaves para a cultura e esta a chave para as portas do mundo. Eu ainda estou tentando, quem sabe não consigamos juntos? Vamos lá?

Ficou no texto um monte de “sobre isso falaremos depois”, não é?

Pois é, é que não disse nada de novo e nem nada do que eu disse é de minha autoria, só repeti o que muitos já disseram e o “depois te digo” vem da velha máxima de que uma história puxa outra!

Viver é mais fácil que pensar! Repito.

Saudações e que receba esta com muita saúde, juntamente com os seus!

Até mais,

Osório

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