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DEFICIENTES E IDOSOS – A QUESTÃO DA RENDA PER CAPITA

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Os operadores do direito com atuação na área assistencial vêm sofrendo uma espécie de tortura mental quando enfrentam o tema referente à garantia constitucional de um salário mínimo destinado à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (art. 102, da Constituição Federal – CF).

A tortura vem se fazendo presente às sessões após o Supremo Tribunal Federal – STF, ter declarado, em ação declaratória de inconstitucionalidade – ADIn, a constitucionalidade do § 3º, do art. 20 da Lei nº 8.742, de 07.12.93.

 

Anteriormente a essa decisão a maioria dos magistrados vinha declarando, no julgamento dos casos concretos, a inconstitucionalidade do referido dispositivo. No que agiam bem, como demonstrar-se-á abaixo, pois por pertencemos ao grupo daqueles que não sabem se "as decisões do STF são melhores porque são as últimas ou são as últimas porque são as melhores", acreditamos que a Corte pode rever seus posicionamentos equivocados, como apregoam alguns de seus integrantes que advogam a instituição da súmula vinculante.

Diz a Constituição Federal:

"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

................................................................................................

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.".

Regulamentando o inciso V, na forma por ele preconizada, editou o Congresso Nacional a Lei nº 8.742, de 07.12.93, que, no que interessa ao tema ora proposto, dispõe:

"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto. (Parágrafo alterado pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)

§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.".

As interpretações que propomos dos referidos dispositivos são as seguintes:

O inciso V do art. 203 da CF, de forma absoluta, garantiu à pessoa portadora de deficiência e ao idoso a percepção de um salário mínimo. Assim, desde "que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família", devem receber a quantia correspondente ao salário mínimo.

A contrario senso, A CF afirma não ter direito ao recebimento de um salário mínimo:

Primeiro: a pessoa que possuir meios de prover a própria subsistência (existem pessoas nas condições pessoas requeridas que são extremamente ricas, por exemplo);

Segundo: a pessoa cuja manutenção possa ser provida por sua família (existem famílias de pessoas nas condições pessoas requeridas que são extremamente ricas, por exemplo);

No entanto, como a própria Carta Magna traz a ressalva no que concerne à necessidade da edição de uma lei (trata-se de norma constitucional não-auto-aplicável), essa poderia dispor apenas sobre os seguintes aspectos acima apontados:

a) a forma pela qual a pessoa portadora de deficiência ou idosa poderia provar que não possui meios de prover a própria subsistência;

b) a forma pela qual a família da pessoa portadora de deficiência ou idosa poderia provar que não possui meios de prover a subsistência do seu membro naquelas condições;

c) o que é considera família;

d) qual a renda familiar necessária para prover a subsistência de um de seus membros portador de deficiência ou idoso.

Não poderia nunca, jamais, em tempo algum, dispor que a pessoa, portadora de deficiência ou idosa, necessitada pode receber benefício menor que um salário mínimo, pois se assim o fizesse estaria contrariando a Constituição Federal, padecendo, portanto, do vício insanável de inconstitucionalidade.

Felizmente não foi isso que fez o legislador, muito menos a interpretação dada pelo STF. Senão vejamos:

O caput do art. 20 Lei nº 8.742/93, na esteira constitucional, garante um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, desde que dele necessitem, seja por não poderem manterem-se a si próprios, seja por não poderem ser mantidos por suas famílias;

O § 1º da referida lei, diz o que se deve entender por família. Conceito que poderia, como se viu, formular.

Já o § 3º, também da Lei nº 8.742/93, diz quando a família é considerada incapaz de manter um de seus membros que seja portador de deficiência ou idoso. Tal ocorre quando ela, família, auferir "...renda mensal per capita (...) inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo."

Ora, se à pessoa portadora de deficiência ou idosa já foi garantido um salário mínimo, a renda per capita somente pode ser obtida com a exclusão daqueles (portador de deficiência ou idoso) e o seu salário mínimo já garantido constitucionalmente.

Assim, à pessoa portadora de deficiência ou idosa não participa da constituição do núcleo familiar para efeito da obtenção da renda per capita, bem como o valor de um salário mínimo que lhe é garantido, também deve ser excluído do montante financeiro que será dividido pelo número de membros familiares restantes.

A situação fica melhor aclarada com exemplos:

1º - família composta por qualquer número de pessoas que perceba apenas um salário mínimo, desde que tenha em seu seio à pessoa portadora de deficiência ou idosa, deve perceber o benefício do art. 20, pois a esse salário faz jus, unicamente, qualquer das pessoas nessas condições;

2º - família composta por cinco pessoas que perceba dois salários mínimos e tenha em seu seio pessoa portadora de deficiência ou idosa (essa seria e é a família ideal visualizada pela Lei nº 8.742/93), não teria direito ao benefício, já que um salário mínimo pertence à pessoa naquelas condições (devendo, portanto, ser excluído do montante) e o outro, o único que deve ser dividido entre os quatro outros familiares, atende a renda per capita de ¼ (um quarto) do salário mínimo;

3º - família composta por qualquer número de pessoas cuja renda per capita, depois de separado um salário mínimo destinado à pessoa portadora de deficiência ou idosa que a integre, seja igual ou superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, não faz jus ao benefício. Acacianamente, em caso contrário, faz jus.

A prevalecer o entendimento açodado que vem sendo dado à LAOS e a ADC, qual seja, que a CF e a Lei nº 8.742/93 determinam que cada integrante do grupo familiar receba tão somente ¼ (um quarto) do salário mínimo, inclusive a pessoa portadora de deficiência ou idosa que a integre, chegar-se-ia ao seguinte absurdo:

- numa família composta por cinco pessoas, dentre estas a pessoa portadora de deficiência ou idosa, que tivesse uma renda de um salário mínimo, deveria ser pago benefício àquele que dele necessita em quantia correspondente a apenas ¼ (um quarto) do salário mínimo, pois assim todos os membros da família receberia a referida quantia. Ou seja, nessa família, a pessoa deficiente ou idosa seria equiparada as demais com a destinação de apenas ¼ (um quarto) do salário mínimo. O que, francamente, não é o que quer a Lei das Leis, que destina àquelas pessoas um salário mínimo, integral.

Por fim, em reforço do nosso entendimento, o § 4º do Art. 20 da Lei citada diz:

"§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica."

E se na família existirem duas pessoas idosas, por exemplo, e o grupo total tenha renda per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, serão aquelas duas consideradas uma só? A renda de uma deve ser dividida com a outra? Mas a CF não garantiu à pessoa deficiente ou ao idoso, e não à família deficiente ou idosa?

É para evitar absurdos como esses que acreditamos nos nossos argumentos.

 

Osório Barbosa – procurador da República

 

Muitos anos depois...

Notícias STF Quinta-feira, 18 de abril de 2013

 

STF declara inconstitucional critério para concessão de benefício assistencial a idoso

 

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta quinta-feira (18) a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993) que prevê como critério para a concessão de benefício a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo, por considerar que esse critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. Foi declarada também a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.471/2003 (Estatuto do Idoso).

Recursos Extraordinários

A decisão de hoje ocorreu na Reclamação (RCL) 4374, no mesmo sentido do entendimento já firmado pelo Plenário na sessão de ontem, quando a Corte julgou inconstitucionais os dois dispositivos ao analisar os Recursos Extraordinários (REs) 567985 e 580963, ambos com repercussão geral. Porém, o Plenário não pronunciou a nulidade das regras. O ministro Gilmar Mendes propôs a fixação de prazo para que o Congresso Nacional elaborasse nova regulamentação sobre a matéria, mantendo-se a validade das regras atuais até o dia 31 de dezembro de 2015, mas essa proposta não alcançou a adesão de dois terços dos ministros (quórum para modulação). Apenas cinco ministros se posicionaram pela modulação dos efeitos da decisão (Gilmar Mendes, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello).

O ministro Teori Zavascki fez uma retificação em seu voto para dar provimento ao RE 580963 e negar provimento ao RE 567985. Segundo ele, a retificação foi necessária porque na sessão de ontem ele deu um “tratamento uniforme” aos casos e isso poderia gerar confusão na interpretação da decisão. O voto do ministro foi diferente em cada um dos REs porque ele analisou a situação concreta de cada processo.

Reclamação

A Reclamação 4374 foi ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com o objetivo de suspender o pagamento de um salário mínimo mensal a um trabalhador rural de Pernambuco. O benefício foi concedido pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Pernambuco e mantido no julgamento desta quinta-feira pelo STF.

Na Reclamação, o INSS alegava afronta da decisão judicial ao entendimento da Suprema Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1232. No julgamento da ADI, em 1998, os integrantes da Corte consideraram constitucionais os critérios estabelecidos no parágrafo 3º do artigo 20 da Loas para o pagamento do benefício, em especial, o que exige uma renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo.

Voto

Em seu voto, o relator da reclamação, ministro Gilmar Mendes, defendeu a possibilidade de o Tribunal “exercer um novo juízo” sobre aquela ADI, considerando que nos dias atuais o STF não tomaria a mesma decisão. O ministro observou que ao longo dos últimos anos houve uma “proliferação de leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais”. Nesse sentido, ele citou diversas normas, como a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; e a Lei 10.219/2001, que criou o Bolsa Escola.

Conforme destacou o relator, essas leis abriram portas para a concessão do benefício assistencial fora dos parâmetros objetivos fixados pelo artigo 20 da Loas, e juízes e tribunais passaram a estabelecer o valor de meio salário mínimo como referência para aferição da renda familiar per capita.

“É fácil perceber que a economia brasileira mudou completamente nos últimos 20 anos. Desde a promulgação da Constituição, foram realizadas significativas reformas constitucionais e administrativas com repercussão no âmbito econômico e financeiro. A inflação galopante foi controlada, o que tem permitido uma significativa melhoria na distribuição de renda”, afirmou o ministro ao destacar que esse contexto proporcionou que fossem modificados também os critérios para a concessão de benefícios previdenciários e assistenciais se tornando “mais generosos” e apontando para meio salário mínimo o valor padrão de renda familiar per capita.

“Portanto, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios”, sustentou o ministro. Ele ressaltou que este é um indicador bastante razoável de que o critério de um quarto do salário mínimo utilizado pela Loas está completamente defasado e inadequado para aferir a miserabilidade das famílias, que, de acordo com o artigo 203, parágrafo 5º, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial.

Conforme asseverou o ministro, ao longo dos vários anos desde a sua promulgação, a norma passou por um “processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas, políticas, econômicas, sociais e jurídicas”. Com esses argumentos, o ministro votou pela improcedência da reclamação, consequentemente declarando a inconstitucionalidade incidental do artigo 20, parágrafo 3º, da Loas, sem determinar, no entanto, a nulidade da norma.

Ao final, por maioria, o Plenário julgou improcedente a reclamação, vencido o ministro Teori Zavascki, que a julgava procedente. Os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa votaram pelo não conhecimento da ação.

 

 

 

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